quarta-feira, março 02, 2022

Chegada da Companhia de Artilharia 72 60 ao LUNHO 20 de março 1974:

O 1.º Cabo Clarim João Pinto funcionário do depósito de géneros do Lunho acompanhado pelo seu Comandante de Companhia Capitão Mil.º Salavisa que renderam a C.Caç.41 41 os Gaviões no dia 20 de Março de 1974:





 Aquele inesquecível, dia 19 do  mês de Março de 1974: todos nós madrugamos, se calhar não dormimos, convenientemente e, mal despontou o sol, que no Lunho nascia bem cedo, fomos saindo da caserna com a certeza mais que certa, de que a fuga daquele purgatório estava por dias. Nunca por então tantas sentinelas, mirando a picada. todos olhávamos para o horizonte, com impaciência, perscrutando a celeste direção, que sabíamos ser aquela de onde surgiria uma coluna de viaturas, carregando aqueles, que tomariam de então os nossos lugares naquela terra esquecidas do fim do mundo. Foi uma longa espera, que a impaciência se encarregou, de prolongar ainda mais. Ansiedade foi crescendo à medida que o tempo passava e a coluna tardava. Para o grande momento, até que soou o primeiro alarme. O ponto negro, já visível no horizonte, foi agradecendo à medida,  até se tornar bem nítida a silhueta familiar da coluna que chegou no meio de uma nuvem de pó, evoluindo até se imobilizar, no aquartelamento do Lunho. Um burburinho expectante, fazia descer aqueles checas acabados de chegar, das viaturas, uma gritaria esfusiante, tomou ao mesmo tempo que cada um se esforçava, por parecer, o mais alucinado possível num misto  de loucura e contentamento.  alguns com ar mais infeliz do mundo, olhando em volta sem saber para onde se dirigir, iam sendo guiados quase empurrados, bombardeados por explicações atabalhoadas vindas de todo o lado. toda a gente ia contando, indicando, descrevendo, pintando, o que era as matas do Lunho onde ficava a Miandica, e as tarefas mais difíceis que iam ter de enfrentar.

Texto de Bernardino Peixoto Soldado Corneteiro 017516/72:        

terça-feira, março 01, 2022

Enfermaria do LUNHO:
















1.º Cabo Enfermeiro

Valadares Pereira:
                 Enfermaria do Lunho:                              1972 a 1974:
Nesta enfermaria, qualquer foco de infeção, e pequenas feridas de um dia para o outro, qualquer erupção cutânea, e o pó de talco antimicótico, aplicado nas dobras da pele fazia desaparecer as comichões, e irritações, que a humidade sudorifica agravava. A medicina preventiva era a preocupação do furriel enfermeiro. todos os dias ao almoço o enfermeiro de serviço, dispunha junto ao prato de cada um, dois ou três comprimidos: O vermelhinho, que visava compensar as insuficiências vitaminas, e minerais da alimentação, pobre e sem sabor; o comprimido branquinho, que continha a imprescindível, resoquina contra o paludismo; e mais um outro que não me lembro para quê? até havia a dose cavalar, de Vitamina era injetável, que se dizia fornecer tudo, o que o organismo, precisava. Pelo menos o Palúdico, na sua permanente mania das doenças e fraquezas, era cliente assíduo. Mas a verdade seja dita,  a grande preocupação do nosso escasso e improvisado corpo clinico centrava-se no combate ao paludismo  e à terrível doença do sono. A luta contra o paludismo, era diária através de medicação preventiva. Só em caso de contágio, quando a febre subia aos quarenta graus, se justificava a via endovenosa com a injeção de doses cavalares, de resoquina. Já a doença do sono exigia a inoculação periódica de uma vacina que era pressuposto, imunizar-nos contra uma ameaça invisível. Por mim e creio que para quase todos, mais picadela menos picadela, já não fazia diferença. Há muito que estávamos habituados, a essa rotina tanto mais que se preferia isso , ao desconforto e à perigosidade da doença. Fazia-me me ver, estando assim seria mais doloroso, para além de transformar uma simples picada em algo complexo. O enfermeiro Valadares Pereira perdeu a compostura: Acalma-te lá porra! pensa em gajas! disse brincando , baixei os meus calções, estiquei-me num banco corrido, mal senti o contacto frio do algodão que desinfetava a zona, preparou a agulha como de costume, separada da seringa, e num movimento brusco, procurando aliviar o meu tormento, deu-me uma pequena palmada na nádega nua, conseguiu  esperando conseguir, num golpe violento espetou a agulha, como uma estocada em um touro bravo. Encaixou a seringa e começou a empurrar o liquido obrigando a penetrar, naquela fortaleza de músculos. levantei a cabeça, cerrei os dentes, num verdadeiro esgar de dor, aguentei até ao fim, porra gostas de sofrer? Desabafou o enfermeiro, finalmente sacou a agulha, num gesto brusco ao mesmo tempo esfregava o algodão, emudecido na nádega repentinamente descontraída. Não percebes que assim é que dói mesmo? Mas eu não queria saber disso. Levantei-me puxei os calções, e enquanto afivelava o cinto, balbuciei num suspiro  diz o enfermeiro pronto já está, afastei-me a coxear, esfregando o rabo, à procura de alivio para o ardor que sentia.

Texto de Bernardino Peixoto Soldado Corneteiro 017516/72. 

sábado, fevereiro 26, 2022

CAPELA DOS BIDONS DO LUNHO 1972 A 1974:




 

Miandica terra do outro mundo 1973:



 




Numa guerra de guerrilha, como aquela que Portugal enfrentou, em terras de Moçambique, qualquer força de intervenção se tornava extremamente, vulnerável, sempre que tinha de executar os seus movimentos hábitos, e procedimentos. Era esta a situação e perante este perigo, que se encontrava a Companhia de Caçadores 41 41 os Gaviões, estacionada no buraco mais famoso do Niassa, o buraco do "LUNHO". Ao ter que realizar, diariamente ao inicio da manhã, e ao fim da tarde um percurso de 20 e tal quilómetros, entre o Lunho e a Miandica para reabastecer a 2.ª Companhia de Engenharia que se encontrava a fazer a terraplanagem, para construção de um aquartelamento, a fim de ser colocada lá uma companhia, de militares. As nossas viaturas, ficavam perigosamente expostas às investidas dos guerrilheiros da Frelimo, tanto pela forma de emboscadas, como possíveis minas colocadas na picada. 

Texto de Bernardino Peixoto Soldado Corneteiro 017516/72.   


 


                                  Estação ferroviária de Nova Freixo Moçambique 1972.
Nesta estação dos caminhos-de-ferro embarquei, num comboio que se movimentava a carvão, se encontrava lotado por homens, mulheres, e crianças de raça negra. Embarquei na carruagem da frente, junto à locomotiva, à frente seguia o rebente minas, e com vários soldados a fazer a proteção. Iam sempre aos tiros de G3, eu era checa não habituado a estas andanças,  no percurso da viagem ia observando várias carruagens, tombadas nas ravinas causado pelo arrebentar das minas ali colocadas na via férrea pelos guerrilheiros da Frelimo para impedir a passagem da tropa da Metrópole para os destinos que lhe foram indicados. Segui um dia de comboio para percorrer os sete centos e tal quilómetros, de via-férrea até Vila Cabral, conhecida na gíria da tropa por
"CIDADE DE MINAS  GERAIS"  
Texto de Bernardino Peixoto  Sodado Corneteiro 017516/72.                                                                                     

sexta-feira, fevereiro 25, 2022




 Aqui está o nosso «1.º Cabo Cripto» José Xavier com o saco do correio»
Já que mais uma vez fiz referência, à importância da chegada do correio, ao Lunho. Aqueles dois dias na semana, que o pequeno avião que os velhinhos o batizaram pelo nome de "Pêga" aterrava na pista dos Castelões do Lunho para deixar um saco de cartas, e aerogramas carregados de noticias de casa, traziam mais alento ao pessoal do que uma bela refeição de bife com batatas fritas. Era espécie de religião, um desejo incontido, um vicio irresistível autêntica dependência saudável. fazendo com que os outros dias, fossem meras etapas de um caminho, que desaguava em cada terça feira, e se repetia com que os outros dias à sexta feira, seguindo-se um longo interregno com um fim de semana, pelo meio sábados e domingos, que ali no Lunho  não eram diferentes de qualquer outro dia da semana. Desde que não fosse dia de correio, eram todos iguais. De facto, verdadeiramente especial, o nosso dia Santo  era mesmo o dia em que recebia noticias.     

Todos nós ansiosos, procurando adivinhar, pelo volume do saco, a quantidade de cartas e aerogramas que trazia. O saco era entregue na pista de aviação, tirado do avião e entregue ao nosso cabo Cripto José Xavier, era escoltado no seu percurso até às transmissões, como uma preciosa relíquia se trata-se. Todos lhe queriam tocar! O nosso improvisado  carteiro António Brites, se colocava em cima de um dos bidons, eu seguindo com os olhos ávidos, no maço de cartas e aerogramas, anunciando os nomes inscritos em cada carta, e aerograma. Quando era para mim eu respondia: Eu eu. Respondia como se tivesse ganho a lotaria. O  Brites continuava com o pregão  e insinuava; hoje não lerpas! recebia correio mais importante da minha namorada, e das madrinhas de guerra. Nunca recebi correio dos meus familiares, eu também não perdia o meu tempo a escrever. O importante como as coisas, verdadeiramente importantes isso era o que acontecia com todos, desde o oficial sim porque a Companhia de Caçadores 41 41  os Gaviões havia uns quantos analfabetos. E, recorrendo ou não ao companheiro do lado, todos se dedicavam à leitura, devorando sofregamente cartas que narravam acontecimentos, e transmitiam sentimentos, simples discorrências para encher a folha de papel, pura descrição de assuntos a que só a distância conferia o significado. Mas havia um que não encaixava em tudo isto. Um soldado que, tanto quanto me lembro, nunca recebera uma simples carta, ou um aerograma. não sei a razão? dizia que apenas tinha sua mãe e um irmão, vá-se lá saber porquê, O Manuel Almeida conhecido pelo (Cantiflas) era um soldado estranho, um chato, isso via-se no dia-a-dia. Parecia não ter jeito, para fazer amigos e, talvez por isso costumava a andar só. Não porque  quisesse, mas porque alguns o enxotavam. Quando se nos dirigia, exibia um sorriso sarcástico, parecendo querer provocar irritação. Se calhar era apenas um esgar que não controlava. Um fácil aparvalhado e ainda por cima era um refilão, defeito que procurava disfarçar, com bajulice, servilismo encapotado num trejeito untuoso. O seu aspeto fisico também não ajudava. A verdade é que ninguém se lembra de alguma vez ter recebido correio uma carta da mãe ou de um amigo conhecido. Olha lá a tua mãe já te escreveu? ou tu é que não sabes ler? O Cantiflas atalhou de forma provocatória, respondia com evasivas, como se o assunto o incomoda-se. Bem os pormenores não interessam, nem os sei reproduzir. Isto pode explicar a pouca popularidade, entre a malta não era apenas falta de jeito, para arranjar amigos parece que não seria, lá muito popular para os seus familiares, de quem aliás nunca falava. 

Texto de Bernardino Peixoto Soldado Corneteiro 017516/72.                            

COMPANHIA DE CAÇADORES 41 41 OS GAVIÕES A CAMINHO DO LUNHO:



As viaturas avançavam seguindo a picada de Metangula, fazendo uma pausa em Nova Coimbra, cujo os sulcos, ia sendo francamente iluminados pelo foco do sol, que a irregularidade da picada, que se fixa-se num ponto. Perscrutava-se o negro envolvente na tentativa de adivinhar, os contornos da mata, escondida no denso e impenetrável, manto preto como quem não quer a coisa, quase sem se dar por isso. As viaturas abandonaram Nova Coimbra, entraram na picada com destino ao Lunho, aos poucos foi denunciando um pó fininho que despertava com o rolar dos pneus, se levantava em remoinhos que iam cobrindo o ar circulante, de uma palha difusa misturada, com restos de folhagem seca, esvoaçando cobrindo desordenadamente, acabava de poisar hesitante até a viatura seguinte voltar tudo num reboliço irritante, que incomodava quem se lhe seguia. aquela mata era de facto diferente. Isso  determinou que a picada que seguíamos, fosse irritantemente sinuosa, talvez em demasia. E para piorar as coisas, as raízes à superfície, constituíam obstáculos que obrigavam as viaturas a um permanente escoucinhar, a uma dança frenética, um constante balanceio entremeado de saltos e ressaltos que iam massajando os corpos do pessoal que procurava a todo custo manter o equilíbrio, sobre a carroçaria desconfortável, de viaturas impróprias para o transporte de gente. E tudo isto retardava o andamento, deixando aquela conhecida sensação de passeio, de tartaruga de conferir até chegar ao inferno do Lunho. 

Texto de Bernardino Peixoto Soldado Corneteiro 017516/72