sábado, fevereiro 26, 2022

 

CAPELA DOS BIDONS DO LUNHO 1972 A 1974:




 

Miandica terra do outro mundo 1973:



 




Numa guerra de guerrilha, como aquela que Portugal enfrentou, em terras de Moçambique, qualquer força de intervenção se tornava extremamente, vulnerável, sempre que tinha de executar os seus movimentos hábitos, e procedimentos. Era esta a situação e perante este perigo, que se encontrava a Companhia de Caçadores 41 41 os Gaviões, estacionada no buraco mais famoso do Niassa, o buraco do "LUNHO". Ao ter que realizar, diariamente ao inicio da manhã, e ao fim da tarde um percurso de 20 e tal quilómetros, entre o Lunho e a Miandica para reabastecer a 2.ª Companhia de Engenharia que se encontrava a fazer a terraplanagem, para construção de um aquartelamento, a fim de ser colocada lá uma companhia, de militares. As nossas viaturas, ficavam perigosamente expostas às investidas dos guerrilheiros da Frelimo, tanto pela forma de emboscadas, como possíveis minas colocadas na picada. 

Texto de Bernardino Peixoto Soldado Corneteiro 017516/72.   


 


                                  Estação ferroviária de Nova Freixo Moçambique 1972.
Nesta estação dos caminhos-de-ferro embarquei, num comboio que se movimentava a carvão, se encontrava lotado por homens, mulheres, e crianças de raça negra. Embarquei na carruagem da frente, junto à locomotiva, à frente seguia o rebente minas, e com vários soldados a fazer a proteção. Iam sempre aos tiros de G3, eu era checa não habituado a estas andanças,  no percurso da viagem ia observando várias carruagens, tombadas nas ravinas causado pelo arrebentar das minas ali colocadas na via férrea pelos guerrilheiros da Frelimo para impedir a passagem da tropa da Metrópole para os destinos que lhe foram indicados. Segui um dia de comboio para percorrer os sete centos e tal quilómetros, de via-férrea até Vila Cabral, conhecida na gíria da tropa por
"CIDADE DE MINAS  GERAIS"  
Texto de Bernardino Peixoto  Sodado Corneteiro 017516/72.                                                                                     

sexta-feira, fevereiro 25, 2022




 Aqui está o nosso «1.º Cabo Cripto» José Xavier com o saco do correio»
Já que mais uma vez fiz referência, à importância da chegada do correio, ao Lunho. Aqueles dois dias na semana, que o pequeno avião que os velhinhos o batizaram pelo nome de "Pêga" aterrava na pista dos Castelões do Lunho para deixar um saco de cartas, e aerogramas carregados de noticias de casa, traziam mais alento ao pessoal do que uma bela refeição de bife com batatas fritas. Era espécie de religião, um desejo incontido, um vicio irresistível autêntica dependência saudável. fazendo com que os outros dias, fossem meras etapas de um caminho, que desaguava em cada terça feira, e se repetia com que os outros dias à sexta feira, seguindo-se um longo interregno com um fim de semana, pelo meio sábados e domingos, que ali no Lunho  não eram diferentes de qualquer outro dia da semana. Desde que não fosse dia de correio, eram todos iguais. De facto, verdadeiramente especial, o nosso dia Santo  era mesmo o dia em que recebia noticias.     

Todos nós ansiosos, procurando adivinhar, pelo volume do saco, a quantidade de cartas e aerogramas que trazia. O saco era entregue na pista de aviação, tirado do avião e entregue ao nosso cabo Cripto José Xavier, era escoltado no seu percurso até às transmissões, como uma preciosa relíquia se trata-se. Todos lhe queriam tocar! O nosso improvisado  carteiro António Brites, se colocava em cima de um dos bidons, eu seguindo com os olhos ávidos, no maço de cartas e aerogramas, anunciando os nomes inscritos em cada carta, e aerograma. Quando era para mim eu respondia: Eu eu. Respondia como se tivesse ganho a lotaria. O  Brites continuava com o pregão  e insinuava; hoje não lerpas! recebia correio mais importante da minha namorada, e das madrinhas de guerra. Nunca recebi correio dos meus familiares, eu também não perdia o meu tempo a escrever. O importante como as coisas, verdadeiramente importantes isso era o que acontecia com todos, desde o oficial sim porque a Companhia de Caçadores 41 41  os Gaviões havia uns quantos analfabetos. E, recorrendo ou não ao companheiro do lado, todos se dedicavam à leitura, devorando sofregamente cartas que narravam acontecimentos, e transmitiam sentimentos, simples discorrências para encher a folha de papel, pura descrição de assuntos a que só a distância conferia o significado. Mas havia um que não encaixava em tudo isto. Um soldado que, tanto quanto me lembro, nunca recebera uma simples carta, ou um aerograma. não sei a razão? dizia que apenas tinha sua mãe e um irmão, vá-se lá saber porquê, O Manuel Almeida conhecido pelo (Cantiflas) era um soldado estranho, um chato, isso via-se no dia-a-dia. Parecia não ter jeito, para fazer amigos e, talvez por isso costumava a andar só. Não porque  quisesse, mas porque alguns o enxotavam. Quando se nos dirigia, exibia um sorriso sarcástico, parecendo querer provocar irritação. Se calhar era apenas um esgar que não controlava. Um fácil aparvalhado e ainda por cima era um refilão, defeito que procurava disfarçar, com bajulice, servilismo encapotado num trejeito untuoso. O seu aspeto fisico também não ajudava. A verdade é que ninguém se lembra de alguma vez ter recebido correio uma carta da mãe ou de um amigo conhecido. Olha lá a tua mãe já te escreveu? ou tu é que não sabes ler? O Cantiflas atalhou de forma provocatória, respondia com evasivas, como se o assunto o incomoda-se. Bem os pormenores não interessam, nem os sei reproduzir. Isto pode explicar a pouca popularidade, entre a malta não era apenas falta de jeito, para arranjar amigos parece que não seria, lá muito popular para os seus familiares, de quem aliás nunca falava. 

Texto de Bernardino Peixoto Soldado Corneteiro 017516/72.                            

COMPANHIA DE CAÇADORES 41 41 OS GAVIÕES A CAMINHO DO LUNHO:



As viaturas avançavam seguindo a picada de Metangula, fazendo uma pausa em Nova Coimbra, cujo os sulcos, ia sendo francamente iluminados pelo foco do sol, que a irregularidade da picada, que se fixa-se num ponto. Perscrutava-se o negro envolvente na tentativa de adivinhar, os contornos da mata, escondida no denso e impenetrável, manto preto como quem não quer a coisa, quase sem se dar por isso. As viaturas abandonaram Nova Coimbra, entraram na picada com destino ao Lunho, aos poucos foi denunciando um pó fininho que despertava com o rolar dos pneus, se levantava em remoinhos que iam cobrindo o ar circulante, de uma palha difusa misturada, com restos de folhagem seca, esvoaçando cobrindo desordenadamente, acabava de poisar hesitante até a viatura seguinte voltar tudo num reboliço irritante, que incomodava quem se lhe seguia. aquela mata era de facto diferente. Isso  determinou que a picada que seguíamos, fosse irritantemente sinuosa, talvez em demasia. E para piorar as coisas, as raízes à superfície, constituíam obstáculos que obrigavam as viaturas a um permanente escoucinhar, a uma dança frenética, um constante balanceio entremeado de saltos e ressaltos que iam massajando os corpos do pessoal que procurava a todo custo manter o equilíbrio, sobre a carroçaria desconfortável, de viaturas impróprias para o transporte de gente. E tudo isto retardava o andamento, deixando aquela conhecida sensação de passeio, de tartaruga de conferir até chegar ao inferno do Lunho. 

Texto de Bernardino Peixoto Soldado Corneteiro 017516/72           
 

quinta-feira, fevereiro 24, 2022

Eu Bernardino Peixoto fui preso num subterrâneo no Lunho Moçambique.



No Lunho fui preso num subterrâneo de um posto de sentinela: 

O rigoroso regulamento da disciplina militar, de que se dizia ser incomparável alimentava  boa  parte do anedotário, de caserna. Entenda-se seria de todo desnecessário e isso porque, bastaria entender as regras principais, cuidado com o que dizes" vê lá o que fazes" o que significava, que até isso porque para não cair nas suas malhas. Naquele tempo, dormir era razoável a probabilidade de se infringir um qualquer dos seus inúmeros, artigos. No Lunho não havia cadeia, as penas de prisão eram compridas, no fundo de um subterrâneo tenho memória de ter sido enclausurado, cujo o meu Comandante de Companhia António Cardoso, exigente e imperativo não admitia desculpas. o local escolhido ter sido logo ali naquele subterrâneo onde um animal de quatro patas acabava de dar à luz onze cachorros, fui preso sem camisa, foi-me retirada a minha arma, meus cinturões, enfim o cubículo era bastante apertado, que tive de tentar dormir uma soneca em condições desumanas. Um refilão preguiçoso, um negro de nome Agostinho, exagerou pois se encontrava embriagado, ultrapassou o desculpável e foi além da capacidade, de tolerância aplicada ainda com algumas atenuantes, infernizou a minha paciência, eu já me encontrava visivelmente agastado, com os palavrões, saquei do meu cinturão, o atingi numa das suas orelhas, de imediato foi socorrido pelos seus camaradas, até à enfermaria. O meu Comandante acompanhado pelo segundo, Aníbal Curto Ribeiro, e o furriel Afonso em pouco tempo entravam na caserna, ao ver a situação me deu voz de prisão, fui conduzido ao subterrâneo, pelo furriel Afonso que lamentou o procedimento do meu comandante.  Estar preso implicou não ser escalado, para o respetivo posto de sentinela. Eu achando que tudo aquilo foi um abuso de poder  visivelmente fiquei agastado, com o suposto castigo. para completar o quadro!!..O negro transferia-se à noite para a sua cama, na caserna, depois de ter alta da enfermaria!!!. Feliz da vida e apostado de ter cumprido o castigo, dentro do subterrâneo que me foi imposto. Creio que nunca fiz inimigos, mas também não consigo identificar os amigos, o Agostinho era um negro comum, sem nada de especial que se lhe aponta-se, a não ser quando bebia mais que a conta. a cerveja era barata, e havia quantidades generosas, que apenas se manifestava, quando toldado, por cervejas um pouco em quantidade. Claro que nestas coisas, à sempre exceções. A bebida queimando o seu fraco senso, fazia às avessas daí o resultado, de ameaças, o único que sofreu na pele fui eu. O castigo da providência senti de forma dolorosa.

Texto de Bernardino Peixoto Soldado Corneteiro 017516/72                         
 

terça-feira, fevereiro 22, 2022



A MINHA VIAGEM PARA A GUERRA DO ULTRAMAR:
Acabadas as seis semanas, do IAO!! no Regimento de Infantaria n.º1 na Amadora, e depois de um curto período de férias de "despedida" eramos mais de cem homens, que compunham a Companhia de Caçadores 41 41 os Gaviões, considerados prontos como carne  para canhão, para o teatro de guerra, em Moçambique!..  Esta era a primeira etapa da minha viagem, numa tarde de 12 de novembro de 1972 terminou junto ao aeroporto de Lisboa foi uma das mais angustiantes, de que me recordo, em toda a minha vida, e julgo não só para mim, como para todos nós, pois era a primeira prova concreta, de ser verdade aquilo que me esperava: A Guerra! O "NIASSA",  "O LUNHO"O avião dos TAM Boeing707 preparado na pista, pronto a voar para Moçambique, até fazer a escala para o seu reabastecimento, em Luanda.  Não retenho grandes lembranças, sobre Luanda!!! quando o Boeing, já sobrevoava, nas alturas nos apercebemos, que estávamos em território Moçambicano. Corria aquele mês novembro de 1972, e o calor fazia-se sentir em toda a sua pujança. Um ar quente saturado de pó, como uma bofetada de boas vindas, quando abandonamos a barriga da aeronave. Segui maquinalmente com os meus camaradas, olhando em redor como que anestesiado, pela  desolação envolvente sem me dar, conta pelo menos no imediato, de que aquele exíguo espaço perdido. No dia 19 de Novembro de 1972 acabávamos de chegar a um local onde a mata, numa sucessão infinitesimal,  de coisa nenhuma. para lá do limite do arame farpado, se encontrava aquele aglomerado bairro de latas, construído em chapas de zinco e outras em artesanal em blocos, e tijolos. O conforto  provocado pelo calor intenso simplesmente institui que o nome do local que nos havia saído em sorte mas sem qualquer informação, do que me esperava o Lunho  é verdade que tomei a consciência de que estava num local,  onde não havia rede elétrica publica. Por ali não havia eletricidade permanente, um gerador que só funcionava nas escassas três a quatro horas quando a noite caía, isso não seria suficiente para alimentar as arcas congeladoras, eram alimentadas a petróleo. Fomos recebidos pelos velhinhos, era sempre servida como praxe, de boas vindas como checas. Velhinhos esses que ali habitavam, à bastantes meses, tempo suficiente para serem rendidos, depois de fazerem a entrega do local, a Companhia de Caçadores 33 92, seguiram marcha para outro local, nós ficamos perdidos, no meio daquele capim, naquele  ermo, sem viva alma em seu redor, bem conhecido do Niassa o buraco do « LUNHO» 
(CIDADE DE MINAS GERAIS

Texto de Bernardino Peixoto Soldado Corneteiro 017516/72          
 

 MADRINHAS DE GUERRA:

As madrinhas de «guerra» eram moças solteiras sendo muitas vezes os respetivos endereços, trocados por nós militares. Muitas vezes as pessoas, escreviam sem se conhecer pessoalmente mas alguns desses casos, resultaram em casamento. Ao fim de algumas cartas e aerogramas trocados, as madrinhas" enviavam  fotos de corpo inteiro, para mostrarem o que valiam, vestiam a sua melhor roupa faziam a sua melhor pose  para se mostrarem. Os "aerogramas" disponibilizados pelo Movimento Nacional Feminino, não precisava de selo  era transportado gratuitamente, pelos aviões da TAP. O saco do correio, era transportado para o Niassa, e depois para o Lunho, duas vezes por semana, num pequeno avião que os velhinhos batizaram com o nome de "Pêga" Sempre no momento da distribuição do correio, aguardado  com particularidade por todos nós, guerreiros!. Eu tinha umas cinco ou seis "madrinhas" recebia uns vinte aerogramas por mês, com algumas cartas à mistura. De que eu falava? falava de tudo era uma espécie de eu despejar o caixote. Falava de ser um herói, falava de solidão, falava de medo, e falava de malandrices.

Crónica de Bernardino Peixoto Soldado Corneteiro 017516/72:    

O Adeus ao Lunho 23 de março de 1974

segunda-feira, fevereiro 21, 2022

Esposas Namoradas e Madrinhas de Guerra

 

Marta Martins Silva escritora e autora deste livro cartas de Amor e de Dor, Esta simpática senhora como jornalista e escritora, resolveu escrever as nossas histórias dos antigos combatentes do Ultramar, muitos lhe enviaram seus textos, subscritos a esta senhora fazer a revisão dos mesmos. Os antigos combatentes da guerra do Ultramar, em forma de um diário pessoal onde as nossas escritas delirantes, prometem desafiar os leitores, a descobrir qual a realidade do mundo, em que nós vivemos e como foi o desenvolvimento das nossas experiências traumáticas, em terras de África quando ainda eramos muito jovens. Parabéns senhora jornalista e escritora, Marta Martins da Silva todos nós combatentes da guerra do Ultramar, lhe agradecemos de colocar cá fora as nossas histórias que já se encontravam guardadas no baú das recordações. o que foi o nosso sofrimento em tempos de guerra em plena juventude.       

sábado, fevereiro 19, 2022

                                    Bernardino Peixoto soldado corneteiro 017516/72:
 

quinta-feira, fevereiro 17, 2022

COMPANHIA DE CAÇADORES 41 41 OS GAVIÕES:

Comandante da Companhia de Caçadores 41 41 os Gaviões
António Cardoso Capitão Mil.º de  Art.ª
Memórias de uma companhia independente C.Caç 41 41 os Gaviões que em 19 Novembro de 1972 foram largados num ermo em algures no Niassa «LUNHO« terras do fim do mundo nos confins de Moçambique. Alongava-se o tempo no Lunho e quanto se prolongava, o tempo, a marcha dos dias, não obstante a irritante constância dos ponteiros dos relógios. Quando fomos largados neste minúsculo recanto das inóspitas terras-do-fim-do-mundo, dizia-se que dentro de um ano, mais coisa menos coisa, seriamos transferidos para um lugar mais aprazível, já parecia difícil aceitar a possibilidade de um ser humano viver muito tempo em local tão desolado. Afinal não foi bem assim, viemos a saber mais tarde, termos penado dezassete longos meses, aguardando ansiosamente que nos viessem render. Ainda me lembro da minha alegria esfuziante daquela rapaziada, da Companhia de Artilharia 7260 que no dia vinte de Março de 1974 quando os vi chegar, fiquei atordoado perante o inesperado que teve o seu epilogo, derradeira etapa. Foram largados ali  desamparados, sem consciência do que lhes esperava e sem qualquer noção, do que os rodeava. A paisagem à volta, pelo menos num primeiro relance, mostravam-se assustadoramente a selva numa estranha simbiose, com a desolação das instalações, que plantadas no meio daquele, deserto compunham o aquartelamento militar, que a partir de então, lhes havia de servir de morada. Três dias depois eu abandonei aquele local, despedi-me deste bairro de latas, viajamos à torreira do sol, até uma pequena e linda cidade de Malema-Entre os Rios ali  passei à peluda no dia 30 de setembro de 1974.

Texto de Bernardino Peixoto Soldado Corneteiro 017516/72.