Veio à memória quando no Lunho foi realizada uma operação a nível de Companhia, à base avançada da Mepoche, as dificuldades em definir um rumo num terreno, demasiadamente plano e sem pontos de referência. tirando uma exceção uma aqui outra acolá, a paisagem mais parecia, uma mesma imagem sucessivamente repetida, num cenário virgem e selvagem que talvez nunca tivesse, até então, visto gente. A imagem a indicar o caminho, ilustrava bem a dificuldade de, definir um rumo embora para nós que fazíamos parte da operação, parecesse coisa singela. Se bem me lembro nunca antes a tropa, chegara àquele local, o que penso eu, determinou que o nosso inimigo, de então tenha decidido ali instalar uma base, era longe e não havia caminhos que nos lá levasse. Chegar às suas imediações, implicou um longo percurso, a corta mato, seguindo as indicações do nosso Comandante de Companhia, António Cardoso Capitão Miliciano, que mais parecia orientar-se por telepatia. Aventura que foi uma grande viagem além da operação ser de oito dias, até que avistamos o rio da Mepoche, onde foi feita uma pausa para a reunião dos oficiais, e sargentos, afim de escolher um grupo de vários militares, que iam fazer o assalto à dita base, aqueles que foram escolhidos como eu! não conhecíamos, os andanhos daquela mata, incaracterísticas. Quando nos foi ordenado pelo comandante, seguimos um trilho que ao lado se encontrava cultivada uma machamba de milho, e ao cimo uma palhota onde se encontrava, um guerrilheiro da Frelimo, de vigia deu um tiro com a sua arma, fugiu em direção à base alertando os seus camaradas a nossa presença. O episódio se passou quando chegamos ao cimo do trilho, ali vislumbrei uma base constituída por cerca de trinta palhotas, fizemos o cerco fomos recebidos com fogo das armas ligeiras, automáticas, fui visto por um dos guerrilheiros, que me apontou a sua arma, eu me encontrava protegido por uma árvore de bom porte, o rebelde disparou uma rajada de tiros, os projéteis ficaram cravados, na mesma que me protegia. De imediato eles se puseram em fuga, deixaram para trás todos os seus pertences domésticos, e pessoais o pessoal com Ronso da picada chegamos fogo a todas as palhotas, em pouco tempo estávamos a ser bombardeados pelo morteiro 82. A destruição da base foi total, em seguida abandonamos o local ao descer o trilho, senti o estoiro das granadas do morteiro a estoirar perto de mim, senti os estilhaços a perfurar as árvores. Continuei a descer aquele trilho, como se tivesse de memória cada árvore, não obstante tudo parecesse igual, numa paisagem imutável e agreste. Simplesmente recordo aquele dia 29 de janeiro de 1973, sobre a ameaça do morteiro 82 ou de uma emboscada, fomos ter com a companhia, que ficaram junto ao rio da Mepoche. A operação terminou ali, foi-nos ordenado pelo nosso comandante, que abandonássemos o local, continuamos a calcorrear aquelas matas, a poucos quilómetros fizemos uma pausa para o merecido almoço (ração de combate) deixamos para traz um rasto de destruição, depois de termos ingerido a refeição, fomos surpreendidos por alguns guerrilheiros da Frelimo, que nos seguiram, aos primeiros tiros, se puseram em fuga. Naquele momento seguimos a marcha, em direção ao nosso aquartelamento, ao passar por várias árvores, algum camarada sem querer, mexeu numa das árvores, fomos atacados por um enorme enxame de abelhas, onde foi fortemente picado o soldado António Varandas, que foi evacuado ali no mato por um helicóptero, para hospital do Setor "A" em Vila Cabral. Pensou-se o pior, mas tudo correu normalmente, não fora mais um acidente que ninguém esperava.
Inicialmente se pensou que tudo estava normal, o soldado Rogério Sampaio, provavelmente se enganou num dos trilhos, deixou de nos ver, seguiu o trilho errado pensando, que mais à frente nos encontrava, ficou para trás numa outra direção simplesmente, ficou perdido naquela mata desconhecida, ia mantendo a calma em contra ponto com um ar assustado, e temendo a mata desconhecida, começou a dar sinais, de apreensão que aos poucos, se foram transformando em pânico, visível num queixume choroso, lamentando a sua má sorte. O pior que entretanto o sol rendia-se descendo dramaticamente, abaixo das copas das árvores, pintando de um vermelho alaranjado o céu que então exibiria normal azul intenso e luminoso o negro de toda a mata circundante, conferindo o maior dramatismo, à situação. O Sampaio em desespero sentindo-se desamparado, lamentava a sua má sorte. Ai minha mãezinha! eu ainda à tão pouco tempo me despedi dela, arquitetaram-se dos soldados que desconhecendo que os perigos, se escondiam para além do negrume começou a imaginar, cercado por toda a espécie de bichos medonhos, encontrando uma ameaça, em cada restolho das ervas, em cada roçar pelo capim em cada sombra projetada pelo fraco luar, coado pela romagem das árvores. O Rogério Sampaio Sem querer tentar esconder, os seus temores dissídio que o melhor seria trepar a uma árvore convencendo-se que ali agachado entre os ramos, estaria a salvo da bicharada e fora das vistas do inimigo que pensou ele bem podia estar ali à espreita. O dia nasceu bem cedo, como é costume naquela terra, e com a luz do dia desapareceram todos os fantasmas, que povoaram a noite, o Sampaio ainda abalado pela noite mal dormida, e a forma como se perdeu e sem ajuda, foi caminhando em direção ao aquartelamento do Lunho Quando chegamos ao aquartelamento, foi feita a formatura de a praxe, foi quando demos pela falta desse nosso camarada, que ficou perdido no mato. No dia seguinte um pequeno avião sobrevoou a zona, e não foi possível detetar a sua presença. O segundo grupo de combate saiu ao seu encontro, fomos encontrar ao fundo da ponte do Lunho, acompanhado por um amigo de quatro patas, que nunca o abandonou. Não me admiro nada, que para o meu camarada Rogério Sampaio, aquela noite que lhe trás à memória, recordações de um advento de guerra nunca se apagará. Gastou-se rapidamente o mês e os meses que restavam de 1973,o segundo Natal disfarçado no meio de um calor de derreter, seguindo-se os dias, a um lento calvário sem fim à vista. Ao décimo quinto mês deixei de pensar no assunto, e só alguns se entretinham, a contar o tempo, esse continuaria arrastar-se pastoso, rotineiro, monocórdico e entediante, apenas pelas visitas, semanais do "avião" sempre desejado animação materializada trazendo o sagrado correio condicionado dentro daquele pequeno saco. fui ocupando o tempo com rotinas, já mais que rotinadas;com aquela certeza que acompanhava com uma cerveja laurentina, para mitigar a sede e amenizar o calor já que a água era férrea, e não sabia bem e a cerveja não era cara. Identificava os cheiros fortes e característicos, do aquartelamento, já conhecia a cor da musica desordenada, das grossas pingas de chuva embatendo com violência, no telhado de zinco da minha caserna. Habituei-me às sistemáticas mudanças de paisagens, que as chuvas diluvianas, pintavam de múltiplos tons de verde para de seguida iam sendo teimosamente, repintadas de ocre com pinceladas de negro, acinzentado das queimadas, à medida que a época seca se instalava.
Em plena operação no mato anoite parecia calma. O sono tinha-nos vencido a todos por volta das sete, ou oito horas Apenas dois militares, se mantinham acordados, fazendo os habituais turnos de vigilância, resistindo como podiam à vontade de encostar, a arma e fechar os olhos até que rompessem os primeiros raios de sol. Duas horas da madrugada, caem os primeiros pingos de água, antecedidos de um leve murmúrio de vento, que agita os ramos das árvores, onde nos abrigamos. O céu estrelado, minutos antes tornou-se escuro, apagando de súbito, todo aquele tilintar, de milhares de pontos brilhantes, que nos serviam de teto, e ao mesmo tempo de uma espécie de jogo de embalar, com que nos , a esperar o sono, assistindo às estrelas cadentes, riscando o céu como balas, que nos passavam ao lado naquele jogo de fantasia, das noites ao relento. O céu no mato tinha outro brilho, outro encanto. Tudo parecia mais vivo e fulgurante A chuva foi engrossando tornando-se mais diluviana em poucos minutos. O meio sossego, de mais uma pernoita, a céu aberto foi abruptamente interrompido, obrigando a rearranjos de acomodação, por uma ou outra chuvada, de impropérios que condicionavam, tudo o que, vinha à cabeça que se nos a figuravam, apropriados no aliviar da tormenta na maior parte, das vezes buscar apenas uma outra forma, de não naufragar nas torrente da água, que o ser da natureza nos enviava. Um clarão distante prenuncia, e renuncia um forte trovão, que em segundos depois ecoava longínquo, sinal que a tempestade maior havia de passar ao largo. O vento aumentava fustigando-nos, com onda de chuva, que varrem o abrigo precário, que nos proporcionam, as árvores destroçando algumas tendas erguidas, para o abrigo de algumas horas. Aquele trovão distante, foi o único que se ouviu, num espaço de tempo, longo e suficiente, para que se admitisse que ficaríamos pela chuva forte, que caía e mesmo essa, deveria ser breve. Sem que nada o fizesse prever, um relâmpago fortíssimo, iluminou de repente as redondezas, como um flash fotográfico, tornando o dia claro aquele sitio. O suficiente para tornar possível distinguir, os vultos escuros dos ponches dos militares, que se abrigavam como podiam. O trovão estourou um ou dois segundos depois, sem o ribombar habitual, dos ecos que a distancia a que se encontrava a tempestade proporcionava. Ainda não estávamos recompostos, daquele estrondo medonho, que rasgava o silêncio da noite, deixando-nos vulneráveis como grãos de areia, por uma enxurrada inesperada, e já outro trovão mais medonho o raio rasgava de alto a baixo uma árvore secular a menos de trezentos metros de distância. Por fim o silêncio quase tão repentino, e em segundos chovia de novo com frequência, impressionante dos raios, que ligavam do céu à terra. Um sinal da cruz feito à socapa, completava o ofertório, e sinalizava o fim da liquidação do beneficio colhido, enquanto outros iam sacudindo o ponche, e a roupa descalçar as botas procurando que o sol, que se adivinhava secasse, um pouco as meias, e a farda que de uma forma ou de outra, encharcadas de chuva e do suor do dia anterior. Estou convencido que durante os dezassete longos meses, que a Companhia de caçadores 41 41 os Gaviões, esteve no Lunho, devemos ter andado por locais que provavelmente, nunca antes tinham sido pisados por brancos, fossem eles tropas ou civis. A base avançada da Mepoche, foi um desse locais. Não retenho exatamente como surgiu o nome uma base inimiga enquadrada por um grupo de guerrilheiros da Frelimo. A Mepoche seria provavelmente, a designação atribuída a formação, já que o termo não se enquadrava, nas estruturas do exército português. Como era natural, não havia picada até lá, e não fazia sentido, que houvesse. Normalmente as bases inimigas, estariam em locais tão distantes e inacessíveis, que passariam despercebidas e por isso a salvo das investidas, das nossas tropas. De qualquer forma, a base foi detectada. Identificada a sua posição, exata logo foi preparada, uma grande operação a cabo pela Companhia de Caçadores 41 41 com o objetivo de desalojar os nativos negros armados e destruir, as respetivas instalações. A operação, de considerável dimensão, implicou o envolvimento do grosso do efetivo da nossa Companhia, incluindo o meu grupo de combate no qual eu fis parte foi uma operação condimentada com episódios que marcaram, , aqueles que nela participaram a começar pela autêntica aventura que foi o transporte, até às imediações do local, exigindo o necessário recurso de um guia nativo negro que, conhecendo bem o trajeto, levou-nos corta mato, através de uma mata, sem picadas ou caminhos, e despida de pontos de referência. Por sorte os guerrilheiros não teriam condições para nos fazer frente. A posição estratégica do acampamento ter-lhes à permitido detectar a aproximação da tropa, com antecedência e optarem por desaparecer sem deixar rastos, ou qualquer dos equipamentos que pudessem ali ter. A verdade é que o grupo de assalto irrompeu por entre o trilho, vazio sem encontrar viva alma, ou o que quer que lhes pudessem fazer frente. Incendiamos o acampamento com cerca de trinta palhotas, destruímos o que havia para destruir, retirou-se a tropa, e com ela toda a parafernália de guerra, ficando de novo o local, no mais completo sossego. Passaram.se meses sobre a grande operação. Importava agora certificar que a base inimiga, não voltara a ser ocupada, e se fosse caso disso, desaloja-los de novo do local. O percurso teria de ser feito a pé, com todos os cuidados, e carregando aos ombros a G3 e munições, onde se incluía o morteiro, e as suas pesadas granadas, difíceis de transportar. Aproximámos da orla da mata, sem sair da camuflagem, propiciada pelas árvores, que bordejavam uma extensa mata, que se estendia à nossa frente. Entre o capim rasteiro um pouco mais a sul escondido algures, entre a mata estaria o nosso objetivo. Atravessar ali era impensável se a base inimiga, estivesse de novo guarnecida, seriamos visto à légua e bastaria fazer tiro ao alvo, no meio do descampado da mata, a que acrescia o risco de nos enterrarmos no pântano formado pelo rio cujo caudal por mais fraco que fosse, por ali correria certamente embora não se visse onde. Discutiu-se a melhor forma de atingir o outro lado, sem sermos detetados. Estes seriam uma daquelas cujo curso, era alimentado pelas escorrência da água, da chuva que se infiltravam, entre a terra porosas mas nada aconteceu. Lá à frente vinha a informação que o local, estava tão deserto como o resto da mata em redor Avançamos para Sul patrulhamentos a margem do rio, e procuravam-se sinais da presença dos guerrilheiros. Apenas se encontraram trilhos mas quase cobertos, de capim sinal evidente que a sua utilização, era nula ou então esporádica. De volta ao aquartelamento do Lunho, um duche uma refeição quente e uma cama era um luxo, quando comparados com o desconforto dos últimos oito dias. Texto de Bernardino Peixoto
Antigo Combatente da guerra do Ultramar Moçambique.
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