sexta-feira, março 04, 2022

"A MINHA EVACUAÇÃO PARA O HOSPITAL DE VILA CABRAL" MÊS DE SETEMBRO DE 1973 :


Não sei como é hoje. Naquele tempo, alimentar tropas era uma tarefa complicada. A verba era escassa, a janta nunca estava ao gosto de todos a variedade não variava, não abundava, a imaginação dos cozinheiros escasseava e a falta de jeito da grande maioria agravava tudo. Eram homens formados à pressa, escolhidos com base em critérios que nunca cheguei a perceber. Creio que poucos deles alguma vez tivessem ido além de estrelar um ovo. A verdade é que a tropa transformava pedreiros, carpinteiros, jardineiros e afins em cozinheiros temporários que, após cumprido o serviço militar, voltavam às suas atividades iniciais. Se transportar tudo isto para a realidade, no Lunho as coisas  pioravam. A cozinha não ajudava, o combustível era a lenha colhida na mata, os tachos eram negros e grandes, e o calor tomava a tarefa do cozinheiro e seus auxiliares, um martírio. Agravar tudo isto, os ingredientes escasseavam, a ração era parca e nem ingredientes haviam para confecionar uma sopa dita. Na verdade a variedade do rancho, oscilava entre massa com carne, e a carne com massa substituída de tempos, em tempos por feijões. Bifes, nem velos e o peixe era indesejado. de vez em quando, lá vinham umas salsichas, uma feijoada com uma ou outra rodela de chouriço barato, umas ervilhas enlatadas e pouco mais. Ah! havia ainda a dobradinha. O ingrediente chegava seco desidratado, em forma de pequenos pedaços parecidos com flocos que inchavam quando posto de molho. Dobradinha com feijão, amamentada com uma colherada de arroz, era assim um dos petiscos que primita desenjoar da massa, mas que não nos livrava dos feijões, que engrossavam o molho com aspeto amarelado, de cola liquida condimentada com chouriço, estrategicamente misturado para dar gosto e onde os mais gulosos ensopavam o pão. Exigir dotes de prestigiado, tanto mais que os ingredientes não estavam disponíveis. No Lunho não havia nem de perto nem de longe, uma  tosca  tasca ambulante improvisada,   a não ser uma pequena cantina, dentro do aquartelamento. O cantineiro (ROCHA) que se encontrava atrás do balcão, vendia  as bebidas com carimbo   de isenção, mas eu pagava  a preço corrente. A cantina era explorada  pelo   nosso 1.º Sargento Bizarro, que vendia o tabaco, a cerveja, outras bebidas,  e pouco mais. O reabastecimento era feito por coluna, os frescos eram transportados por um pequeno avião que nos visitava duas vezes por semana. O vinho era de péssima qualidade. A alimentação no Lunho era muito pobre, talvez foi a razão que eu tive de baixar à enfermaria com o paludismo misturado com fraqueza, o meu estado se agravava cada dia que passava deixei a minha cama, fui transferido para uma outra. O enfermeiro de serviço Valadares Pereira, ao ver a minha situação, fez o pedido à messe dos oficiais a sopa, mesmo assim o meu estado de saúde piorava quarenta e dois de febre, já sentia dificuldades em respirar, apareceu na enfermaria o furriel enfermeiro, ao ver o meu estado de saúde, comunicou para Vila Cabral, no dia seguinte ao amanhecer, já se encontrava um pequeno avião, aterrar na pista afim de ser feita a minha evacuação, para o hospital do Setor "A". Fui conduzido numa auto maca, até ao avião, em pouco tempo eu já sentia um ar, um pouco fresco pois estava aterrar no aeroporto, já se encontrava uma ambulância, estacionada à minha espera para me conduzir à urgência. Fui atendido por um médico, Tenente Coronel que de imediato chamou um dos enfermeiros de serviço, me injetou um litro de soro. O médico disse ao enfermeiro que eu estava pronto para o caixote, fiquei com baixa hospitalar dezassete dias levei na totalidade dezassete litros de soro. Foi assim que naquela unidade hospitalar, que eu sentia os helicópteros da força aérea, resfolegante transportando soldados feridos e outros moribundos do campo da batalha. O médico caminhou com os seus elementos de enfermagem até à minha cama, examinou-me e disse que eu já me encontrava, em boa saúde para regressar, ao meu aquartelamento. Ordens do senhor doutor, levantei-me da cama, com um certo agastamento vesti a minha farda, sem mais delongas não disse nada medi a minha estrutura de cima a baixo, de forma quase impercetível, abandonei o hospital, segui para o interior do aquartelamento de Vila Cabral, esperando a saída de uma coluna militar, para me levar de regresso ao inferno do Lunho.
Texto de Bernardino Peixoto Soldado Corneteiro 017516/72.                                 

quarta-feira, março 02, 2022

Chegada da Companhia de Artilharia 72 60 ao LUNHO 20 de março 1974:

O 1.º Cabo Clarim João Pinto funcionário do depósito de géneros do Lunho acompanhado pelo seu Comandante de Companhia Capitão Mil.º Salavisa que renderam a C.Caç.41 41 os Gaviões no dia 20 de Março de 1974:





 Aquele inesquecível, dia 19 do  mês de Março de 1974: todos nós madrugamos, se calhar não dormimos, convenientemente e, mal despontou o sol, que no Lunho nascia bem cedo, fomos saindo da caserna com a certeza mais que certa, de que a fuga daquele purgatório estava por dias. Nunca por então tantas sentinelas, mirando a picada. todos olhávamos para o horizonte, com impaciência, perscrutando a celeste direção, que sabíamos ser aquela de onde surgiria uma coluna de viaturas, carregando aqueles, que tomariam de então os nossos lugares naquela terra esquecidas do fim do mundo. Foi uma longa espera, que a impaciência se encarregou, de prolongar ainda mais. Ansiedade foi crescendo à medida que o tempo passava e a coluna tardava. Para o grande momento, até que soou o primeiro alarme. O ponto negro, já visível no horizonte, foi agradecendo à medida,  até se tornar bem nítida a silhueta familiar da coluna que chegou no meio de uma nuvem de pó, evoluindo até se imobilizar, no aquartelamento do Lunho. Um burburinho expectante, fazia descer aqueles checas acabados de chegar, das viaturas, uma gritaria esfusiante, tomou ao mesmo tempo que cada um se esforçava, por parecer, o mais alucinado possível num misto  de loucura e contentamento.  alguns com ar mais infeliz do mundo, olhando em volta sem saber para onde se dirigir, iam sendo guiados quase empurrados, bombardeados por explicações atabalhoadas vindas de todo o lado. toda a gente ia contando, indicando, descrevendo, pintando, o que era as matas do Lunho onde ficava a Miandica, e as tarefas mais difíceis que iam ter de enfrentar.

Texto de Bernardino Peixoto Soldado Corneteiro 017516/72:        

terça-feira, março 01, 2022

Enfermaria do LUNHO:
















1.º Cabo Enfermeiro

Valadares Pereira:
                 Enfermaria do Lunho:                              1972 a 1974:
Nesta enfermaria, qualquer foco de infeção, e pequenas feridas de um dia para o outro, qualquer erupção cutânea, e o pó de talco antimicótico, aplicado nas dobras da pele fazia desaparecer as comichões, e irritações, que a humidade sudorifica agravava. A medicina preventiva era a preocupação do furriel enfermeiro. todos os dias ao almoço o enfermeiro de serviço, dispunha junto ao prato de cada um, dois ou três comprimidos: O vermelhinho, que visava compensar as insuficiências vitaminas, e minerais da alimentação, pobre e sem sabor; o comprimido branquinho, que continha a imprescindível, resoquina contra o paludismo; e mais um outro que não me lembro para quê? até havia a dose cavalar, de Vitamina era injetável, que se dizia fornecer tudo, o que o organismo, precisava. Pelo menos o Palúdico, na sua permanente mania das doenças e fraquezas, era cliente assíduo. Mas a verdade seja dita,  a grande preocupação do nosso escasso e improvisado corpo clinico centrava-se no combate ao paludismo  e à terrível doença do sono. A luta contra o paludismo, era diária através de medicação preventiva. Só em caso de contágio, quando a febre subia aos quarenta graus, se justificava a via endovenosa com a injeção de doses cavalares, de resoquina. Já a doença do sono exigia a inoculação periódica de uma vacina que era pressuposto, imunizar-nos contra uma ameaça invisível. Por mim e creio que para quase todos, mais picadela menos picadela, já não fazia diferença. Há muito que estávamos habituados, a essa rotina tanto mais que se preferia isso , ao desconforto e à perigosidade da doença. Fazia-me me ver, estando assim seria mais doloroso, para além de transformar uma simples picada em algo complexo. O enfermeiro Valadares Pereira perdeu a compostura: Acalma-te lá porra! pensa em gajas! disse brincando , baixei os meus calções, estiquei-me num banco corrido, mal senti o contacto frio do algodão que desinfetava a zona, preparou a agulha como de costume, separada da seringa, e num movimento brusco, procurando aliviar o meu tormento, deu-me uma pequena palmada na nádega nua, conseguiu  esperando conseguir, num golpe violento espetou a agulha, como uma estocada em um touro bravo. Encaixou a seringa e começou a empurrar o liquido obrigando a penetrar, naquela fortaleza de músculos. levantei a cabeça, cerrei os dentes, num verdadeiro esgar de dor, aguentei até ao fim, porra gostas de sofrer? Desabafou o enfermeiro, finalmente sacou a agulha, num gesto brusco ao mesmo tempo esfregava o algodão, emudecido na nádega repentinamente descontraída. Não percebes que assim é que dói mesmo? Mas eu não queria saber disso. Levantei-me puxei os calções, e enquanto afivelava o cinto, balbuciei num suspiro  diz o enfermeiro pronto já está, afastei-me a coxear, esfregando o rabo, à procura de alivio para o ardor que sentia.

Texto de Bernardino Peixoto Soldado Corneteiro 017516/72. 

sábado, fevereiro 26, 2022

Capela dos Bidões do Lunho Moçambique




 

Miandica terra do outro mundo 1973:



 




Numa guerra de guerrilha, como aquela que Portugal enfrentou, em terras de Moçambique, qualquer força de intervenção se tornava extremamente, vulnerável, sempre que tinha de executar os seus movimentos hábitos, e procedimentos. Era esta a situação e perante este perigo, que se encontrava a Companhia de Caçadores 41 41 os Gaviões, estacionada no buraco mais famoso do Niassa, o buraco do "LUNHO". Ao ter que realizar, diariamente ao inicio da manhã, e ao fim da tarde um percurso de 20 e tal quilómetros, entre o Lunho e a Miandica para reabastecer a 2.ª Companhia de Engenharia que se encontrava a fazer a terraplanagem, para construção de um aquartelamento, a fim de ser colocada lá uma companhia, de militares. As nossas viaturas, ficavam perigosamente expostas às investidas dos guerrilheiros da Frelimo, tanto pela forma de emboscadas, como possíveis minas colocadas na picada. 

Texto de Bernardino Peixoto Soldado Corneteiro 017516/72.   


 


                                  Estação ferroviária de Nova Freixo Moçambique 1972.
Nesta estação dos caminhos-de-ferro embarquei, num comboio que se movimentava a carvão, se encontrava lotado por homens, mulheres, e crianças de raça negra. Embarquei na carruagem da frente, junto à locomotiva, à frente seguia o rebente minas, e com vários soldados a fazer a proteção. Iam sempre aos tiros de G3, eu era checa não habituado a estas andanças,  no percurso da viagem ia observando várias carruagens, tombadas nas ravinas causado pelo arrebentar das minas ali colocadas na via férrea pelos guerrilheiros da Frelimo para impedir a passagem da tropa da Metrópole para os destinos que lhe foram indicados. Segui um dia de comboio para percorrer os sete centos e tal quilómetros, de via-férrea até Vila Cabral, conhecida na gíria da tropa por
"CIDADE DE MINAS  GERAIS"  
Texto de Bernardino Peixoto  Sodado Corneteiro 017516/72.                                                                                     

Guerra do Ultramar Moçambique 1972