Em Malema Entre os Rios a população tinham hábitos estranhos, diria mesmo desconcertantes. Mas até esses nos fomos amoldando, por exemplo já se achava natural, quando os jovens, atingida a idade de adolescente, dos doze ou treze anos fossem submetidas, a um ritual, absolutamente estranho, de transformar crianças em mulheres adolescentes. Em ambiente festivo abrilhantando com danças tribais e cânticos saturais rítimo, monocórdico e respetivo batuque, a uma estranha cerimónia, tinha o seu clímax numa espécie de intimidade a que só assistiam, as mulheres, mais velhas. O relacionamento da tropa com os habitantes de Malema, processou-se de forma natural. Ao fim de alguns meses estava absolutamente sedimentado, conferindo àquela pequena urbe outra dimensão o que é mesmo que dizer que os forasteiros, resgatados das terras do fim do mundo, se adaptaram rapidamente, ao novo ambiente fundindo-se com um ambiente social, num processo incontornável de criação de laços, semelhantes aos quase esquecidos, hábitos das aldeias, de onde cada um previna Criaram-se novos hábitos e rotinas, lançaram-se raízes, cimentaram-se amizades, e como acontece em qualquer comunidade, romperam-se relacionamentos recentes, aproveitando o fresco da noite, enquanto o sono ou a hora da deita não chegava. Com o tempo acabei de me habituar, ou porque as ruas de Malema, se tornaram familiares, ou porque o trânsito, era agora encarado como rotina normal, ou ainda porque afinal concluí que não valia apenas tanta preocupação. Acidentes acontecem, por muitos cuidados que se tenha, na verdade tivemos um percalço, onde viria a falecer o nosso melhor condutor auto, Francisco Santos, num estúpido acidente de viação, veio conspurcar aquele pacifico quase no fim da comissão. O destino, ou o que quer que seja, a força que nos domina, havia de nos pregar, mais uma partida, foram dois que não regressaram, com vida o Justino Serrão, vitima de um acidente na oficina mecânica do Lunho, no ano de 1973.Fica aqui a minha homenagem, com tristeza mitigada pelo tempo, mas com saudade reforçada, e por todos que já partiram. A mudança para a cidade de Malema Entre os Rios, alterou num ápice tudo isso. Agora o clube. Ferroviário estava ali, à mão devidamente abastecido. Beber uma bica, voltou a ser rotina, bem como tudo o resto, passando o local a ser poiso frequente, de quase toda a gente. Ali se almoçava ou jantava, sempre que o rancho não agradava, tomava-se café tirado à pressão, tantos, quantos se quisesse e do bom. E bebiam-se imperiais quando era necessário aplacar a sede. ali disputavam-se torneios de futebol de salão, jogava-se aos matraquilhos, ensaiavam-se arremedos, de politica barata, criticava-se o que não se achava bem, discutiam-se assuntos sérios e, porque aquilo não deixava de ser poiso da tropa, preenchia-se a falta de assunto, com dichotes de caserna, tolejando quando a cerveja, ingerida ultrapassando a fasquia do razoável, toldava o raciocino, interferia com o tino e bloqueava o bom senso. Era uma espécie de bonomia indolente. O indiano Fernandes, tudo assistia pasmaceando atrás do balcão atendendo todos, com natural simpatia até porque não se podia queixar da vida, clientes não lhe faltava. Em Malema Entre os Rios, a nossa missão chegara ao fim, mas ninguém pareceu impacientar-se com o mata bicho epiteto, então utilizado para designar o excesso de tempo sobre os vinte e três meses, da praxe. Mas como não podia deixar de ser, chegou a noticia da rendição. Chegou sem alaridos, sem pressas e ninguém exultou com a novidade. Com o efeito, quando o primeiro zunzum começou a circular, ninguém pareceu entusiasmado e o primeiro comentário, não passou de um simples: Ei pessoal! parece que nos veem render para a semana. A verdade é que muito aprazível fosse Malema não era a nossa terra. As saudades mantidas em suspenso, daqueles infindáveis vinte e três meses, o desejo de abraçar a minha noiva, familiares e amigos, que lá longe no outro lado do oceano, nos esperavam com naturalidade impaciência. No dia 06 de Setembro chegou a Malema Entre os Rios que nos rende, a Companhia de Caçadores/do Batalhão de Caçadores 48 13. Não ouve praxes a passagem de testemunho, foi feita naturalmente, por gente já experimentada, e conhecedora dos correspondentes, preceitos protocolares. No dia trinta de setembro , abraços, e aperto de mão, efusivos e um acenar até sempre, compuseram uma despedida muito distinta, do nosso adeus a Malema, Entre os Rios sete meses atrás. Partimos felizes porque isso apenas, significava que estava perto o regresso a casa; a nossa passagem pela guerra chegara definitivamente a seu termo.
Texto de Bernardino Peixoto Antigo Combatente da guerra do Ultramar Moçambique. |
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