sábado, março 26, 2022

Transporte de vinte e nove noivas acabadas de contrair seu Matrimónio em Malema 1974.




Em Malema Moçambique a tropa, quando era necessário, dar continuidade a missões!. 

»Num belo domingo depois do pequeno almoço eu descansando na minha cama, fui surpreendido pelo condutor António Manuel Coelho Ferreira, com ordens do comandante de Companhia, ao entrar na minha caserna me ordenou, para eu vestir o meu camuflado, pegar na minha arma, levantar uma ração  (ração de combate), que seria o meu almoço nesse dia de domingo. Como era necessário dar a continuidade, à missão! Rumamos a Sul seguindo uma picada que iniciando na orla da mata, serpentava pelo capim, e rolamos durante algum tempo o suficiente para se perder de vista, as cumieiras dos edifícios de Malema. À nossa frente, continuava a picada, pintada de amarelo, com capim seco matizado, aqui e ali de tufos verdes, da folhagem perene de ervas estranhas sucediam-se em desenhos, irregulares entre cortada, de forma desordenada, por grupos de árvores de pequeno porte escurecido, pelo fumo das queimadas que ciclicamente assolavam a mata e depositavam, no solo, um pó escuro e fino. Pouco mais de termos percorridos vários quilómetros, sob as ferroadas da picada e de um sol impiedoso , foi o suficiente para esgotar toda a resistência, que em esforço procurava a aquela capela pintada de branco, onde se encontrava as noivas, recém casadas, vestidas de branco. O meu camarada encostou a viatura, junto ao adro da capela, eu como chefe de viatura, organizei o transporte, o tempo de marcha foi ficando cada vês mais curto, enquanto se alongava as paragens, e se mitigava a sede, com pequenos golos, cuidando de fazer durar, o escasso litro de água, transportando no cantil. Sabendo-se que não haveria água no percurso, racionava-se a que se trazia. Já de muitos quilómetros percorridos chegou a hora do almoço, o meu camarada condutor parou a mercedes no meio da picada, saltamos  da viatura, e refugiámos-mos à sombra de uma árvore, frondosa, a almoçar enquanto aquelas noivas recém casadas se encontravam ao calor, em cima da carroçaria, parecia olhar-nos de soslaio, como se não compreendesse a fraca resistência, da tropa. Foi com alivio que lá para o fim da tarde, se avistaram ao longe, o aldeamento com cerca de uma vintena, de palhotas toscamente construídas, e espalhadas desordenadamente, num recanto da povoação. À nossa chegada, se encontrava um homem, velho de cabelo encarapinhado brancos, era o senhor régulo o chefe da povoação, a darmos as boas vindas. Depois do desembarque daquelas jovens, recém casadas, o batuque com o seu tum-tum-tum, e cada grupo falava o seu próprio dialeto falado, senão por todos, pelo menos pela maioria. isto significava que entender aquela gente, implicava ser-se poliglota, em dialetos das terras do fim do mundo, isso era impossível. E como muito deles pouco falavam, português, a comunicação tornava-se, complicada. Para já falar fluentemente o português, e conseguir fazer a retroversão, para a linguagem, daquelas gentes não era pouca coisa. nem de somenos importância. Fomos bem recebidos aquele povo nunca tinham visto um homem vestido de farda, com o seu camuflado, e armado mantendo ordem, naquele  aldeamento. O baile tinha começado, vi aquelas noivas vestidas de branco dançando com seus recém maridos, acabados de contrair o matrimónio,   vejo um grupo de pessoas tratando dos alimentos, em fornos improvisados em chapa, assando frangos, e carne. Fomos convidados a participar na boda, e verdade que me senti verdadeiramente compensado, dos tratos existentes que nos convidaram, a comer aquela carne gostosa, caprichosamente, recortada. Bebi bom vinho, e cerveja  fresca, era isto que eu precisava, pois eu cumpri plenamente  a minha função. O tempo passou, e agora era tempo de regressar ao nosso aquartelamento,  o primeiro  comentário do senhor régulo que percebia, e falava um pouco português nos agradeceu, e nos desejou uma boa viagem de regresso.  Aquele povo nos aplaudiu o condutor colocou a viatura em andamento, enquanto o ar completamente limpo, apenas era irrespirável pela intensidade, do calor. A viagem tem uma história os mais de trinta quilómetros já percorridos, que separavam do aldeamento, o destino prometia, uma viagem longa e monótona. recordo que a metade do percurso, definido por uma estrada ambulante, sempre a direito encontramos um casal de negros, pedindo boleia pois já era habitual. O meu camarada condutor Ferreira meteu freio aos travões, parou a viatura e ordenou para subirem para a carroçaria, embora o andamento atingisse, por vezes, uma velocidade significativa. A viagem não deixou de ser, monótona e cansativa, através de um território imenso, com paisagens a perder de vista e cheias de coisa nenhuma, cenário que nos acompanhou até palhota do casal que transportamos, na retaguarda da viatura. Ali paramos fomos convidados pelo casal que foi em direção de um dos galinheiros, e nos ofereceram um bom galo a cada um de nós. Por ali seguimos em roda livre, pois acabávamos de ganhar o nosso jantar. O meu camarada Ferreira, em jeito de brincadeira, me dizia que a mercedes estava a ficar sem combustível. Mas com todas as dificuldades, conseguimos chegar ao aquartelamento.

Texto de Bernardino Peixoto Soldado Corneteiro 017516/72.                                                  

quinta-feira, março 24, 2022

Operação à base avançada da Mepoche 29 de janeiro de 1973:






 Veio à memória quando no Lunho foi realizada uma operação a nível de Companhia, à base avançada da Mepoche, as dificuldades em definir um rumo num terreno, demasiadamente plano e sem pontos de referência. tirando uma exceção uma aqui outra acolá, a paisagem mais parecia, uma mesma imagem sucessivamente repetida, num cenário virgem e selvagem que talvez nunca tivesse, até então, visto gente. A imagem a indicar o caminho, ilustrava bem a dificuldade de, definir um rumo embora para nós que fazíamos parte da operação, parecesse coisa singela. Se bem me lembro nunca antes a tropa, chegara àquele local, o que penso eu, determinou que o nosso inimigo, de então tenha decidido ali instalar uma base, era longe e não havia caminhos que nos lá levasse. Chegar às suas imediações, implicou um longo percurso, a corta mato, seguindo as indicações do nosso Comandante de Companhia, António Cardoso Capitão Miliciano, que mais parecia orientar-se por telepatia. Aventura que foi uma grande viagem além da operação ser de oito dias, até que avistamos o rio da Mepoche, onde foi feita uma pausa para a reunião dos oficiais, e sargentos, afim de escolher um grupo de vários militares, que iam fazer o assalto à dita base, aqueles que foram escolhidos como eu! não conhecíamos, os andanhos daquela mata, incaracterísticas. Quando nos foi ordenado pelo comandante, seguimos um trilho que ao lado se encontrava cultivada uma machamba de milho, e ao cimo uma palhota onde se encontrava, um guerrilheiro da Frelimo, de vigia deu um tiro com a sua arma, fugiu  em direção à base alertando os seus camaradas a nossa presença. O episódio se passou quando chegamos ao cimo do trilho, ali vislumbrei  uma base constituída por cerca de trinta palhotas, fizemos o cerco fomos recebidos com fogo das armas ligeiras,  automáticas, fui visto por um dos guerrilheiros, que me apontou a sua arma, eu me encontrava protegido por uma árvore de bom porte, o rebelde disparou uma rajada de tiros, os projéteis  ficaram cravados, na mesma  que me protegia. De imediato eles se puseram em fuga, deixaram para trás todos os seus pertences domésticos, e pessoais o pessoal com Ronso da picada chegamos fogo a todas as palhotas, em pouco tempo estávamos a ser bombardeados pelo morteiro 82. A destruição da base foi total, em seguida  abandonamos o local ao descer o trilho, senti o estoiro das granadas do morteiro  a estoirar perto de mim, senti os estilhaços a perfurar as árvores. Continuei a descer aquele trilho, como se tivesse de memória cada árvore, não obstante tudo parecesse igual, numa paisagem imutável e agreste. Simplesmente recordo aquele dia 29 de janeiro de 1973, sobre a ameaça do morteiro 82 ou de uma emboscada, fomos ter com a companhia, que ficaram junto ao rio da Mepoche. A operação terminou ali, foi-nos ordenado pelo nosso comandante, que abandonássemos o local, continuamos a calcorrear aquelas matas, a poucos quilómetros fizemos uma pausa para o  merecido almoço (ração de combate) deixamos para traz um rasto de destruição, depois de termos ingerido a refeição, fomos surpreendidos por alguns guerrilheiros da Frelimo, que nos seguiram, aos primeiros tiros, se puseram em fuga. Naquele  momento seguimos a marcha, em direção ao nosso aquartelamento, ao passar por várias árvores, algum camarada sem querer, mexeu numa das árvores, fomos atacados por um enorme enxame de abelhas, onde foi fortemente picado o soldado António Varandas, que foi evacuado ali no mato por um helicóptero,   para  hospital do Setor "A" em Vila Cabral. Pensou-se o pior, mas tudo correu normalmente, não fora mais um acidente que ninguém esperava.     
 Inicialmente se pensou que tudo estava normal, o   soldado Rogério Sampaio,   provavelmente se enganou num dos trilhos, deixou de nos ver, seguiu o trilho errado pensando, que mais à frente nos encontrava, ficou para trás numa outra direção simplesmente,  ficou perdido  naquela mata desconhecida, ia mantendo a calma em contra ponto com um ar assustado, e temendo a mata desconhecida, começou a dar sinais, de apreensão que aos poucos, se foram transformando em pânico, visível num queixume choroso, lamentando a sua má sorte. O pior que entretanto o sol rendia-se descendo dramaticamente, abaixo das copas das árvores, pintando de um vermelho alaranjado o céu que então exibiria normal azul intenso e luminoso o     negro de toda a mata circundante, conferindo o maior dramatismo, à situação. O Sampaio em desespero sentindo-se desamparado, lamentava a sua má sorte. Ai minha mãezinha! eu ainda à tão pouco tempo me despedi  dela, arquitetaram-se dos soldados que desconhecendo que os perigos, se escondiam para além do negrume começou a imaginar, cercado por toda a espécie de bichos medonhos, encontrando uma ameaça, em cada restolho das ervas, em cada roçar pelo capim  em cada sombra projetada pelo fraco luar, coado pela romagem das árvores. O Rogério Sampaio Sem querer tentar esconder, os seus temores dissidiu que o melhor seria trepar a uma árvore convencendo-se que ali agachado entre os ramos, estaria a salvo da bicharada e fora das vistas do inimigo que pensou ele bem podia estar ali à espreita. O dia nasceu bem cedo, como é costume naquela terra, e com a luz do dia desapareceram todos os fantasmas, que povoaram a noite, o Sampaio ainda abalado pela noite mal dormida, e a forma como se perdeu e sem ajuda, foi caminhando em direção ao aquartelamento do Lunho  Quando chegamos ao aquartelamento,  foi feita a formatura de a praxe, foi quando demos pela falta desse nosso camarada, que ficou perdido no mato. No dia seguinte um pequeno avião sobrevoou a zona, e não foi possível detetar a sua presença. O segundo grupo de combate saiu ao seu encontro, fomos encontrar ao fundo da ponte do Lunho, acompanhado por um amigo de quatro patas, que nunca o abandonou. Não me admiro nada, que para o meu camarada Rogério Sampaio, aquela noite que lhe trás à memória, recordações de um advento de guerra nunca se apagará. Gastou-se rapidamente o mês e os meses que restavam de 1973,o segundo Natal disfarçado no meio de um calor de derreter, seguindo-se os dias,  a um lento calvário sem fim à vista. Ao décimo quinto mês deixei de pensar no assunto, e só alguns se entretinham, a contar o tempo, esse continuaria arrastar-se pastoso, rotineiro, monocórdico e entediante,  apenas pelas visitas, semanais do "avião" sempre desejado animação materializada trazendo o sagrado correio condicionado dentro daquele pequeno saco. fui ocupando o tempo com rotinas, já mais que rotinadas, com aquela certeza que acompanhava com uma cerveja laurentina, para mitigar a sede e amenizar o calor já que a água era férrea, e não sabia bem e a cerveja não era cara. Identificava os cheiros fortes e característicos, do aquartelamento, já conhecia a cor da musica desordenada, das grossas pingas de chuva embatendo com violência, no telhado de zinco da minha caserna. Habituei-me às sistemáticas mudanças de paisagens, que as chuvas diluvianas, pintavam de múltiplos tons de verde para de seguida iam sendo teimosamente, repintadas de ocre com pinceladas de negro, acinzentado das queimadas, à medida que a época seca se instalava. 

Texto de Bernardino Peixoto Soldado Corneteiro 017516/72.                                     

segunda-feira, março 21, 2022

Aquartelamento do Lunho Moçambique 1972


Dia 19 de novembro de 1972 cheguei ao Lunho, Com a Companhia de Caçadores 41  41 os Gaviões: 

Esta guarnição Militar, ficou sediada num aquartelamento mais isolado, a Noroeste do Niassa; O seu ambiente era só mato, e os montes que vigiavam de perto e de longe, montes mais pequenos como Lijombos, e grandes como o Chissindo. Para os que estavam do lado de cá! O Lunho ficava lá para o fim do mundo, mas para mim que estava lá! Aqueles 17 quilómetros que me separava, do aquartelamento e da povoação mais próxima, Nova Coimbra eram intermináveis. Era necessário todo o carregamento de frescos, que chegava num pequeno avião, e tinha de dar para toda a semana, 200 quilos de carne, fruta, o correio, e pouco mais. Cada quilómetro teve uma história, era uma emboscada, uma mina que era detetada, e era levantada, era uma viatura que atascava, e obrigava horas e horas, de trabalho angustiante, eram patrulhamentos. Havia sangue, suor, e esforço dos que iam para as operações, dos que iam fazer a proteção a uma coluna, dos que iam compor o itinerário, dos que iam carregar às costas, os reabastecimentos que não chegava lá de avião, porque a pista de aviação durante as chuvas, se alagava,  e o nome do Lunho metia muito respeito. Impressionava os que não  estavam lá, porque os que estavam! estavam acostumados e jogavam a apreensão de cada dia com a naturalidade de que todos os dias, saiam de casa para o emprego. Era o aquartelamento, e todo o seu horizonte era a vegetação rasteira, e plana, na maior parte da vista ao seu redor, e para o outro lado, umas grandes montanhas, a subida para a Miandica. Claro que não havia lá mais nada, não havia viva alma à sua volta! As casernas de material pré-fabricadas, em chapas de zinco, disseminadas mais ou menos   irregular desordenadamente. Para quem não soube, o Lunho ficava lá para o fim do mundo! aquelas picadas cheiravam a trotil, a destruição, e a morte. Nós soldados isolados, perdidos no meio do mato e capim passou a ser o centro daquele aquartelamento onde só reinava o terror e o medo

Texto de Bernardino Peixoto Soldado Corneteiro 017516/72.