No dia vinte e nove de janeiro do ano 1973, estive envolvido num assalto à base avançada da Mepoche Cinquenta e um anos se passaram a recordação daquele dia vinte e nove de janeiro esteve sempre presente, embora algo difusa em alguns pormenores que o tempo levou consigo como recordação. Este foi o tempo estacionário sem horizontes vivido dia após dia pela incerteza e ansiedade resultante da imprevisibilidade das diversas situações em ações de guerrilha no interior de África. Num aquartelamento improvisado onde tudo era rudimentar, onde quase tudo faltava e onde tudo teria de ser feito, melhorando sucessivamente as instalações, tendo em vista a segurança daquele reduto para uma estadia, que poderia ser prolongada e onde para além de tudo teria de se manter uma atividade operacional regular. Recordo a primeira vês que vi aquele local olhei as viaturas carregadas de militares, novinhos com o seu camuflado reluzente, acabados de chegar da Metrópole era a Companhia de Caçadores 41 41 os Gaviões, que iam povoar as densas e muito perigosas matas do "Lunho" fiquei deslumbrado por me sentir envolvido pela natureza Africana. O meu rosto deixou transparecer um misto de medo e receio do desconhecido. Concentrado na observação do meio envolvente, alimentando o meu imaginário onde tudo seria possível, desde os ataques dos guerrilheiros da Frelimo, até à investida das feras camufladas, no meio da vegetação ao longo das picadas que me conduziam àquele local o "Lunho." A coluna militar aproximava-se lentamente foi então que vislumbrei no meio da confusão das viaturas e do pó que envolvia aquela clareira, rodeada de vegetação com uma construção rudimentar em chapas de zinco, e outras em construção artesanal em blocos de cimento e tijolos, dentro de um perímetro demarcado por uma vedação com três arames farpados de fácil acesso a qualquer intruso. Naquele momento tive a sensação de apatia total apeteceu-me retroceder mas nesse desalento algo renasceu em mim, que me impediu de enfrentar e ultrapassar esta prova de fogo como um desafio às minhas capacidades físicas e intelectuais. Desde o momento da mobilização sempre julguei estar preparado psicologicamente, e operacionalmente para as mais diversas, situações não só pela formação e preparação recebida como também pelo empenhamento que assumi ser fundamental para enfrentar as dificuldades, num meio hostil e desconhecido. Muito antes de ser chamado a cumprir o serviço militar obrigatório tive a consciência que iria viver esta guerra por dentro e não através dos jornais. Foi assim com esta bagagem que entrei na recruta no Regimento de Infantaria numero treze, em Vila Real de Trás os Montes no dia dezassete de janeiro de mil nove centos e setenta e dois (primeiro turno) tendo escolhido a especialidade de corneteiro no Regimento de Infantaria numero dois em Abrantes, onde fui mobilizado para a guerra na Região Militar de Moçambique. Com o decorrer do tempo aquele local o "Lunho" passou a ser o centro do mundo, e a minha casa durante dezassete longos meses aguentei a incerteza do dia seguinte e a impossibilidade pensar no futuro. Transformei as tristezas, em alegrias no meio da amizade com os meus camaradas de armas. Ali festejei aniversários e natais de toda a família Recordo ainda aquelas noites, de isolamento total como uma orquestra de ruídos, e sonorização de intensidades diferentes que me obrigava a dormir com um olho aberto e a minha arma j3 encostada ao meu corpo. Não era fácil adormecer, e muitas vezes ficava a usufruir da escuridão da noite com os olhos fechados, e ao abri-los ficar com a sensação de vertigem daquele céu cravado de estrelas que se tornava ainda mais luminoso e parecia desabar em cima de mim. O andamento cadenciado o peso da arma j3 macerando no meu ombro, o cansaço a transpiração a despontar no meu corpo, à medida que avançava o tempo a caminho de uma emboscada, sempre prevista mas nunca desejada. Na manhã do terceiro dia levantei-me antes de romper do sol ingeri alguns alimentos, e entretanto foram feitas algumas recomendações a todos nós soldados que fossemos muito atentos se possível em silêncio mantendo as distâncias, tendo sido alertados para um possível contacto com os elementos da guerrilha dadas as situações anteriormente verificadas. Iniciamos o regresso ao nosso aquartelamento do "Lunho" sentia ao caminhar, a humidade das ervas, do capim, que persistentemente roçavam pelas minhas pernas encharcando as calças, e as botas e que rapidamente secavam aos primeiros raios de sol que começava a despontar da vegetação. Nos dias anteriores a progressão pelo mato ao longo dos trilhos decorreu normalmente apesar de um grande ataque de abelhas, formigas, e Fajão macaco, e o cansaço que se fazia sentir não só pela distância já percorrida através de serras e vales com a arma j3 e todo o equipamento, como também pelo clima quente e húmido, com um aroma acre e doce que exalava da vegetação. Vigilante caminhava alimentando o meu pensamento, com a ausência sempre presente a ausência da minha noiva. A operação tinha terminado voltamos ao aquartelamento, na hora da chegada parecia mais um grande hotel que um bairro de latas. Os heróis do arame farpado nos receberam com um sorriso e só não deixaram verter lágrimas porque eram homens como nós.
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