O cumprimento do serviço militar obrigatório, num local tão afastado do mundo civilizado, como foi o caso do Lunho, exigia vocação de explorador, mas daqueles que se sentem atraídos por locais ermos. Ora, isso era exatamente uma caraterística que a companhia de caçadores 41 41 os Gaviões ninguém possuía. Nem era preciso! À chegada a África, não fazíamos a mínima ideia do nosso destino e como também todo aquele imenso território nos era totalmente desconhecido, tornava-se de alguma forma, indiferente o local que nos estava destinado. Desde que não fosse, para um daqueles com fama de perigosos, onde segundo se dizia os guerrilheiros da Frelimo, se mostravam mais afoitos, tudo o mais era igual, especialmente porque ninguém era capaz de imaginar que pudéssemos ser largados no meio de coisa nenhuma. O facto era que, pelo menos chegar à cidade da Beira, não imaginava que nos pudesse cair em sorte um lugar que bem podia ser classificado como impróprio para ser habitado por seres humanos. A juntar a tudo isto, a certeza de que não valia a pena pensar nisso. Na tropa pelo menos naquela altura, íamos para onde nos levassem, era imperativo e não havia como reclamar. Quando desembarquei no aeroporto da cidade da Beira, e a partir daí levado através daquele imenso território,
naquela interminável viagem, até aos confins das terras do fim do mundo, fui interiorizando a desagradável certeza de que me estava afastar de tudo aquilo que, até então, fazia parte da minha vida, ao mesmo tempo que um estranho vazio se ia estalando à mistura com um turbilhão avassalador da radical mudança. O meu mundo fugia, dominado por uma letargia, nada podia fazer para evitar aquela espécie de evanescência. Esse semi-estado de inconsciência à mistura com o permanente temor do desconhecido, e as campainhas que o instinto de sobrevivência fazia soar dentro da minha cabeça, exigindo para si o exclusivo dos meus cinco sentidos, compunham uma amalgama de preocupações, qual barreira psicológica que impedia exata da realidade que me esperava. Desde que saí de Metangula tudo se foi desvanecendo, desaparecendo como num passe de mágica sem que disso me desse conta. Desde logo mulher branca foi ser que que se deixou de ver Tirando em Nova Freixo apenas me lembro de avistar, assim de soslaio e de fugida, umas quantas que connosco se cruzaram, por mero acidente junto da estação dos caminhos-de-ferro, enquanto se aguardava a viagem de comboio que nos levaria até Vila Cabral, derradeira fronteira entre a civilização e o desterro remoto do Lunho. Convém esclarecer tanto quanto me recordo, isso não me preocupou muito, pelo menos naquela altura. Não sabendo nada sobre o nosso local de destino, não era possível antever que ali não havia mulheres brancas. Na verdade, não havia mesmo coisa nenhuma, embora disso nem tivesse apercebido quando a coluna de viaturas nos largaram na aquela picada empoeirada daquele fim do mundo. Só decorrido algum tempo, quando a saudade começou a imiscuir-se, no bem estar emocional, cada um foi dando conta que ali, para além de não de não haver nada nem luz elétrica também não havia mulheres daquelas que estávamos habituados.
Texto de Bernardino Peixoto antigo combatente da guerra do Ultramar Moçambique.




