domingo, novembro 16, 2025

Zona do Lunho Moçambique .


 O cumprimento do serviço militar obrigatório, num local tão afastado do mundo civilizado, como foi o caso do Lunho, exigia vocação de explorador, mas daqueles que se sentem atraídos por locais ermos. Ora, isso era exatamente uma caraterística que a companhia de caçadores 41 41 os Gaviões ninguém possuía. Nem era preciso! À chegada a África, não fazíamos a mínima ideia do nosso destino e como também todo aquele imenso território nos era totalmente desconhecido, tornava-se de alguma forma, indiferente o local que nos estava destinado. Desde que não fosse, para um daqueles com fama de perigosos, onde segundo se dizia os guerrilheiros da Frelimo, se mostravam mais afoitos, tudo o mais era igual, especialmente porque ninguém era capaz de imaginar que pudéssemos ser largados no meio de coisa nenhuma. O facto era que, pelo menos chegar à cidade da Beira, não imaginava que nos pudesse cair em sorte um lugar que bem podia ser classificado como impróprio para ser habitado por seres humanos. A juntar a tudo isto, a certeza de que não valia a pena pensar nisso. Na tropa pelo menos naquela altura, íamos para onde nos levassem, era imperativo e não havia como reclamar. Quando desembarquei no aeroporto da cidade da Beira, e a partir daí levado através daquele imenso território, 
naquela interminável viagem, até aos confins das terras do fim do mundo, fui interiorizando a desagradável certeza de que me estava afastar de tudo aquilo que, até então, fazia parte da minha vida, ao mesmo tempo que um estranho vazio se ia estalando à mistura com um turbilhão avassalador da radical mudança. O meu mundo fugia, dominado por uma letargia, nada podia fazer para evitar aquela espécie de evanescência. Esse semi-estado de inconsciência à mistura com o permanente temor do desconhecido, e as campainhas que o instinto de sobrevivência fazia soar dentro da minha cabeça, exigindo para si o exclusivo dos meus cinco sentidos, compunham uma amalgama de preocupações, qual barreira psicológica que impedia exata da realidade que me esperava. Desde que saí de Metangula tudo se foi desvanecendo, desaparecendo como num passe de mágica sem que disso me desse conta. Desde logo mulher branca foi  ser que que se deixou de ver Tirando em Nova Freixo apenas me lembro de avistar, assim de soslaio e de fugida, umas quantas que connosco se cruzaram, por mero acidente junto da estação dos caminhos-de-ferro, enquanto se aguardava a viagem de comboio que nos levaria até Vila Cabral, derradeira fronteira entre a civilização e o desterro remoto do Lunho. Convém esclarecer  tanto quanto me recordo, isso não me preocupou muito, pelo menos naquela altura. Não sabendo nada sobre o nosso local de destino, não era possível antever que ali não havia mulheres brancas. Na verdade, não havia mesmo  coisa nenhuma, embora disso nem tivesse apercebido quando a coluna de viaturas nos largaram na aquela picada empoeirada daquele fim do mundo. Só decorrido algum tempo, quando a saudade começou a imiscuir-se, no bem estar emocional, cada um foi dando conta que ali, para além de não de não haver nada nem luz elétrica também não havia mulheres daquelas que estávamos habituados. 
Texto de Bernardino Peixoto antigo combatente da guerra do Ultramar Moçambique.                                       

quinta-feira, novembro 13, 2025

Base avançada da Mepoche.


 No dia vinte e nove de janeiro do ano 1973, estive envolvido num assalto à base avançada da Mepoche Cinquenta e um anos se passaram a recordação daquele dia vinte e nove de janeiro esteve sempre presente, embora algo difusa em alguns pormenores que o tempo levou consigo como recordação. Este foi o tempo estacionário sem horizontes vivido dia após dia pela incerteza e ansiedade  resultante da imprevisibilidade das diversas situações em ações de guerrilha  no interior de África. Num aquartelamento improvisado onde tudo era rudimentar, onde quase tudo faltava e onde tudo teria de ser feito, melhorando sucessivamente as instalações, tendo em vista a segurança daquele reduto para uma estadia, que poderia ser prolongada e onde para além de tudo teria de se manter uma atividade operacional regular. Recordo a primeira vês que vi aquele local olhei as viaturas carregadas de militares, novinhos com o seu camuflado reluzente, acabados de chegar da Metrópole era a Companhia de Caçadores 41 41 os Gaviões, que iam povoar as densas e muito perigosas matas do "Lunho"  fiquei deslumbrado por me sentir envolvido pela natureza Africana. O meu rosto deixou transparecer um misto de medo e receio do desconhecido. Concentrado na observação do meio envolvente, alimentando o meu imaginário onde tudo seria possível, desde os ataques dos guerrilheiros da Frelimo, até à investida das feras camufladas, no meio da vegetação ao longo das picadas que me conduziam àquele local o "Lunho." A coluna militar aproximava-se lentamente foi então que vislumbrei no meio da confusão das viaturas e do pó que envolvia aquela clareira, rodeada de vegetação com uma construção rudimentar em chapas de zinco, e outras em construção artesanal em blocos de cimento e tijolos, dentro de um perímetro demarcado por uma vedação com três arames farpados de fácil acesso a qualquer intruso. Naquele momento tive a sensação de apatia total apeteceu-me retroceder mas nesse desalento algo renasceu em mim, que me impediu de enfrentar e ultrapassar esta prova de fogo como um desafio às minhas capacidades físicas e intelectuais. Desde o momento da mobilização sempre julguei estar preparado psicologicamente, e operacionalmente para as mais diversas, situações não só pela formação e preparação recebida como também pelo empenhamento que assumi ser fundamental para enfrentar as dificuldades, num meio hostil e desconhecido. Muito antes de ser chamado a cumprir o serviço militar obrigatório tive a consciência que iria viver esta guerra por dentro e não através dos jornais. Foi assim com esta bagagem que entrei na recruta no Regimento de Infantaria numero treze, em Vila Real de Trás os Montes no dia dezassete de janeiro de mil nove centos e setenta e dois (primeiro turno) tendo escolhido a especialidade de corneteiro no Regimento de Infantaria numero dois em Abrantes, onde fui mobilizado para a guerra na Região Militar de Moçambique. Com o decorrer do tempo aquele local o "Lunho" passou a ser o centro do mundo, e a minha casa durante dezassete longos meses aguentei a incerteza do dia seguinte e a impossibilidade  pensar no futuro. Transformei as tristezas, em alegrias no meio da amizade com os meus camaradas de armas. Ali festejei aniversários e natais de toda a família Recordo ainda aquelas noites, de isolamento total como uma orquestra de ruídos, e sonorização de intensidades diferentes que me obrigava a dormir com um olho aberto e a minha arma j3 encostada ao meu corpo. Não era fácil adormecer, e muitas vezes ficava a usufruir da escuridão da noite com os olhos fechados, e ao abri-los ficar com a sensação de vertigem daquele céu cravado de estrelas que se tornava ainda mais luminoso e parecia desabar em cima de mim. O andamento cadenciado o peso da arma j3 macerando no meu ombro, o cansaço a transpiração a despontar no meu corpo, à medida que avançava o tempo a caminho de uma emboscada, sempre prevista mas nunca desejada. Na manhã do terceiro dia levantei-me antes de romper do sol ingeri alguns alimentos, e entretanto foram feitas algumas recomendações a todos nós soldados que fossemos muito atentos se possível em silêncio mantendo as distâncias, tendo sido alertados para um possível contacto com os elementos da guerrilha dadas as situações anteriormente verificadas. Iniciamos o regresso ao nosso aquartelamento do "Lunho" sentia ao caminhar, a humidade das ervas, do capim, que persistentemente roçavam pelas minhas pernas encharcando as calças, e as botas e que rapidamente secavam aos primeiros raios de sol que começava a despontar da vegetação. Nos dias anteriores a progressão pelo mato ao longo dos trilhos decorreu normalmente apesar de um grande ataque de abelhas, formigas, e Fajão macaco, e o cansaço que se fazia sentir não só pela distância já percorrida através de serras e vales com a arma j3 e todo o equipamento, como também pelo clima quente e húmido, com um aroma acre e doce que exalava da vegetação. Vigilante caminhava alimentando o meu pensamento, com a ausência sempre presente a ausência da minha noiva. A operação tinha terminado voltamos ao aquartelamento, na hora da chegada parecia mais um grande hotel que um bairro de latas. Os heróis do arame farpado nos receberam com um sorriso e só não deixaram verter lágrimas porque eram homens como nós.                   
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Zona do Lunho Moçambique .

 O cumprimento do serviço militar obrigatório, num local tão afastado do mundo civilizado, como foi o caso do Lunho, exigia vocação de explo...