quinta-feira, abril 30, 2020

Recordações da Guerra do Ultramar Moçambique "Lunho" 1972 a 1974.



5 comentários:

  1. Dia 29 de Janeiro de 1973,estive envolvido num assalto à base avançada da MEPÒTEX.
    46 anos passados: Passaram-se muitos anos a recordação daquele dia 29 de Janeiro, esteve sempre presente embora algo difusa em alguns pormenores que o tempo levou consigo como recordação. Este foi um tempo estacionário, sem horizontes vivido dia após dia, pela incerteza e ansiedade, resultante da imprevísilidade das diversas, situações em ações de guerrilha no interior de África.
    Num aquartelamento improvisado onde tudo era rudimentar, onde tudo faltava, e onde tudo teria de ser feito, melhorando sucessivamente as instalações, tendo em vista a segurança daquele reduto para uma estadia, que poderia ser prolongada, e onde para além, de tudo teria de se manter, uma atividade operacional regular. Recordo a primeira vês, que vi aquele local! Olhei as viaturas, carregadas de militares, novos acabados de chegar da Metrópole, era a Companhia de Caçadores 4141 os Gaviões, que íamos povoar as densas, e muito perigosas matas do "Lunho". Fiquei deslumbrado, por me sentir envolvido, pela natureza Africana. O meu rosto deixou transparecer um misto, de medo e receio do desconhecido.

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  2. Concentrado na observação do meio envolvente, alimentando o meu imaginário, onde tudo seria possível, desde os ataques, do inimigo até às investidas, das feras camufladas, no meio da vegetação, ao longo das picadas que me conduziam aquele local o "Lunho". A coluna militar, aproximava-se lentamente e foi então, que vislumbrei no meio da confusão, das viaturas e do pó que me envolvia, aquela clareira rodeada de vegetação, com uma construção rudimentar em chapas de zinco, e outras em construção artesanal em blocos de cimento e em tijolos, dentro de um perímetro demarcado por uma vedação, com três arames farpados de fácil acesso a qualquer intruso.

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  3. Naquele momento tive uma sensação de apatia total, apeteceu-me retroceder mas nesse desalento, algo renasceu em mim, que me impediu a enfrentar e ultrapassar, esta prova de fogo como um desafio, às minhas capacidades, físicas e intelectuais.
    Desde o momento da minha mobilização, sempre julguei estar preparado, psicologicamente e operacionalmente, para as mais diversas situações, não só pela formação e preparação, recebida como também pelo empenhamento, que assumi ser fundamental, para enfrentar as dificuldades, num meio hostil e desconhecido. Muito antes de ser chamado, a cumprir o serviço militar obrigatório, tive a consciência que iria viver, esta guerra por dentro, e não através dos jornais. Foi assim com esta "bagagem", que entrei, na recruta no Regimento de Infantaria N.º 13 em Vila Real de Trás os Montes onde assentei praça no dia 17 de Janeiro de 1972 (1.º turno), tendo escolhido a especialidade de corneteiro. Acabada a minha recruta e depois do juramento da bandeira, fui transferido para o Regimento de Infantaria Nº. 2 em Abrantes onde por lá estive a fazer a minha especialidade de corneteiro, e onde fui mobilizado para a Guerra do Ultramar em Moçambique. Com o decorrer do tempo aquele local o "LUNHO" passou a ser o centro, do mundo e a minha casa durante 17 longos meses, aguentei a incerteza do dia seguinte, a impossibilidade de pensar no futuro. Transformei as minhas tristezas em alegrias no meio de amizade, dos meus camaradas. Ali festejei aniversários e Natais de toda a família. Recordo ainda aquelas noites de isolamento total como uma orquestra, de ruídos e sonorização de intensidade, diferente que me obrigava a dormir com um olho aberto, e a minha arma J.3 encostada ao meu corpo.
    Não era fácil adormecer, e muitas vezes ficava a usufruir da escuridão da noite, com os olhos fechados, durante algum tempo, e ao abri-los ficar com a sensação de vertigem, daquele céu cravado de estrelas, que se tornava ainda mais luminoso e parecia desabar em cima de mim.

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  4. O andamento cadenciado o peso da minha arma J.3 macerando no meu ombro, o cansaço a transpiração, a despontar no meu corpo, à medida que avançava o tempo, a caminho de uma emboscada, sempre prevista mas nunca desejada. Na manhã do terceiro dia, levantei-me antes de romper do sol ingeri alguns alimentos, e entretanto foram feitas, algumas recomendações a todos nós, para que fôssemos atentos se possível em silêncio mantendo as distâncias, tendo nos sido alertados, para um possível contacto com os elementos da guerrilha, dadas as situações anteriormente verificadas. Iniciamos o regresso ao nosso aquartelamento do Lunho, sentia ao caminhar, a humidade das ervas do capim, que persistentemente roçavam pelas minhas pernas, encharcando a minhas calças, e as botas, e que rapidamente secavam aos primeiros raios de sol, que começava, a despontar a vegetação. Nos dias anteriores, a progressão pelo mato, ao longo dos trilhos, decorreu normalmente, apesar de sermos surpreendidos pelo um grande ataque de abelhas, e do cansaço que se fazia sentir, não só pela distância, já percorrida através de serra e vales, com a arma J.3 e todo o equipamento, como também pelo clima quente, e muito húmido com um aroma "acre" e doce que exalava da vegetação. Vigilante caminhava alimentando o meu pensamento, com a ausência sempre presente, no meu pensamento a minha (noiva).Outros trocavam as sua histórias, e também do tempo que no "Lunho" teimava em não passar. A operação tinha terminado, voltamos ao nosso aquartelamento na hora da chegada, parecia mais um grande hotel, que um bairro de latas. Os heróis do arame farpado nos receberam, com um sorriso e não só deixaram verter lágrimas, porque eram homens, estas partidas comoviam muita gente.

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  5. "RECORDO O DIA 15 DE FEVEREIRO DE 1973"
    POSTO DE SENTINELA JUNTO AO DEPÓSITO DE GÉNEROS

    No Lunho todos os operacionais, faziam serviços de guarda, e reforços nos postos de sentinela e na ponte, para que o pessoal estivessem em segurança. Diariamente ao amanhecer o pessoal que obrigatoriamente prestavam serviço na cozinha, tratando da nossa alimentação, tinham por hábito tocar um ferro que se encontrava dependurado, num barrote da cozinha, para alertar os soldados ali se encontravam instalados, que era hora de servir as refeições. O dia amanheceu, o sol já se declinava como uma bola de fogo era o momento de tomar o pequeno almoço, saí da minha caserna, com um utensilio com asa para colocar ordenadamente na fila, a fim de ser servido um pouco de café, e pão com manteiga. como não existia refeitório, segui em direção à minha caserna, sentei-me na minha cama para ingerir aquele liquido negro, que era mais água que pó. Pouco tempo depois saquei de um cigarro "FN", e fui dar uma volta pela parada que era em terra batida cheia de buracos no tempo de tempestades ficava alagada, O cigarro ia desaparecendo o fumo subia descontraidamente. Fui à secretaria dar uma vista de olhos, na escala de serviço, encontrei o meu nome que estava de reforço no posto de sentinela, junto ao deposito de géneros que se direcionava para a pista de aviação às 14 horas até às 16 horas. Voltei à minha caserna a fim de preparar todo o material para o respetivo serviço. conversando com os meus camaradas de caserna, fazendo horas para o almoço peguei numa revista "crónica feminina" para levar comigo para o serviço, para ajudar a passar o tempo. O ferro da cozinha volta a tocar, eu peguei no meu prato, no talher, e numa lata de cerveja cortada ao meio sem asa por onde se pegue. Fui para a fila ordenadamente para receber a minha refeição, voltei para a caserna o refeitório era a minha cama. Depois da refeição deitei-me um pouco a descansar, pouco tempo depois olho para o meu relógio e vi que se aproximava, a hora de ir para o posto de sentinela, render o meu colega. Segui em direção ao dito posto, fiz a rendição, coloquei-me sentado numa tabua em madeira, que se encontrava em cima de um bidon, encostei a minha arma Jê.3. Começo a desfolhar a dita revista, que levei comigo, e desfolhando, as primeiras páginas, parei um pouco para vigiar a zona, quando reparo caminhando pela pista de aviação, uma cabeça de cabelo encarapinhado, era um elemento da guerrilha. Esperei aproximação do alvo, com todos os cuidados, abandonei o meu posto, fui em direção com a minha arma apontada. Aquele ser humano além da sua arma que não chegou a utilizar, trazia consigo uma saca em pano com uns simples grãos de arroz cru, e uma colher de pau. Os meu camaradas que se encontravam nas imediações, ao verem o guerrilheiro parecia mais um dia de festa, estavam admirados foi a primeira vês que tínhamos visto, e contacto com o inimigo. O encaminhei ao meu comandante da companhia António Cardoso, em seguida fui ocupar novamente o meu posto de sentinela, que se encontrava abandonado. Terminei o meu serviço, segui em direção da minha caserna, coloquei todo o material que me acompanhou, fui junto do guerrilheiro que se chamava " Samuel" dei-lhe um cumprimento de mão ele me confidenciou, que esteve deitado ao fundo da pista de aviação, com a sua arma automática apontada na minha direção; se o rebelde prime o gatilho da sua arma, era mais um jovem soldado da Metrópole que tombava ao serviço da pátria. Se isso acontece-se eu não estaria aqui a contar esta verdadeira história.
    Crónica de Bernardino Peixoto soldado corneteiro N.º01516/72.

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