terça-feira, março 18, 2025




SPM 

Lá vem el e o alarme ecoava pelos quatro do aquartelamento, precipitando uma correria desabrida em direção à pista de aviação. A calma reinante era abruptamente violentada por um turbilhão de homens,  atropelando-se à saída da caserna, da oficina auto, da cantina até da enfermaria. As tarefas em curso paravam, o jogo de cartas cessava e a brincadeira, se a houvesse morria. Os preguiçosos ganhavam vida e os dorminhocos acordavam. Fosse o que fosse que estivessem a fazer, era interrompido. De momento apenas interessava o pequeno avião, a pêga que acabava de aterrar no meio de uma nuvem de pó na pista dos Castelões do Lunho, e não era para menos trazíamos o mais precioso noticias de casa todas as terças feiras e às sextas, era sabido que o pequeno avião aterrar ali, deixando  correio e outras pequenas coisas, levando no regresso aerogramas, cheios de palavras que transportavam saudades e sabe-se lá mais o quê à mistura que cada um contava aos ente queridos que, lá bem longe aguardavam com ansiedade as noticias, que se desejava não fossem más. Nunca fui muito assíduo de escrever à família que na minha ausência nunca se queixaram das noticias. Ali embora não houvesse grande coisa para contar, o que interessava era que por cada aerograma amarelo, que eu enviava recebia um  azul que estava isento de taxa e o papel era gratuito. A importância de receber correio era inquestionável. Constituía o nosso único elo de ligação contudo o que deixarmos para traz. Matar saudades e saber novidades que de outra forma não podia chegar, era quase tão importante como respirar. Hoje é dia de são correio! Dizia-se logo pela manhã sim, porque dia de correio que seja aqui possível expressar por palavras, a forma como condicionava os comportamentos, varria as tristezas fazia alegrias, alterava os humores, transportava cheiros, e ainda que imaginados e satisfazia desejos sonhados. Mesmo aos analfabetos, que os havia. Na véspera todos procuravam o recanto, escolhendo o melhor lugar para alinhavar umas quantas palavras. Uns sentados na cama, improvisavam colocando sobre os joelhos malas, revistas, ou o que quer que oferece-se apoio à escrita. Os que não sabiam escrever confiava a tarefa ao camarada mais à mão. Nos dias de correio, a expectativa gerava uma romaria, que ia entupindo o posto das transmissões em busca de noticias sobre a hora da chegada da pêga. Era dali que vinha a informação sobre o seu trajeto. Logo que aterrava na pista em Nova Coimbra, os de lá era dali que informavam via rádio, o que não impedia que os mais ansiosos se transformavam em sentinelas varrendo o céu com olhares expectantes. O percurso desde

Nova Coimbra era sempre o mesmo, e os horários variavam pouco perto da hora do costume fixavam o olhar no horizonte, no lado norte da pista, na direção do Lunho mal se divisavam o pequeno ponto escuro no azul do céu, gritávamos numa autentica explosão de euforia que ecoava  todo o aquartelamento. Lá vem a pêga depois precipitava-se uma corrida para a pista de aviação, enquanto o avião evoluía pousando com a mestria, que denunciava a experiência que as muitas horas de voo conferiam ao homem que o pilotava. O Subtil, além de piloto experiente, era uma pessoa bem estimada, não obstante apenas se demorar poucos minutos em cada sitio era muito popular, mas apenas por ser aquele que nos trazia o tão desejado, o sagrado correio. Mal se imobilizava na pista era imediatamente cercado por homens, ansiosos procurando adivinhar pelo volume do saco, a quantidade de cartas que trazia. Este simples endereço, era o bastante que cada carta ou aerograma, vinda de qualquer ponto do país me chegasse às minhas mãos.

Texto de Bernardino Peixoto
Antigo combatente da guerra do Ultramar Moçambique.

Daniel Rocho Moçbique


 

Lanchas da Marinha transportavam os soldados até Metangula: